quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O Paradoxo dos Indignados

(Artigo publicado no n.º 3 do Lado Direito, jornal da Juventude Popular de Lisboa)

O mês que passou viu as ruas de centenas de cidades em todo o mundo serem varridas por uma vaga de indignações e ocupações. Enquanto na Europa o efémero movimento já perdeu força, nos Estados Unidos da América os ocupantes de Wall Street continuam a aumentar os seus números. Motivados pelo livro panfletário Indignez-vous! da autoria do intelectual francês Stéphane Hessel e, certamente, pelo revanchismo patente em Inside Job, uma película cinematográfica à boa maneira de Hollywood, plena de pseudo-moralismo esquerdista, os “indignados”, a começar por Hessel, acertam no diagnóstico mas falham redondamente na cura, conforme Axel Kaiser e Russ Roberts evidenciam.


Os indignados acertam em cheio quando reclamam contra a relação promíscua entre o poder político e a banca. Tanto nos EUA como na Europa, assistimos nas últimas décadas a uma convergência de interesses entre políticos e banqueiros. Os políticos expandiram o aparelho estatal a coberto do Estado Social, prometendo benefícios e direitos como forma de ganhar eleições, e ao aperceberem-se que não seria aceitável aumentar (ainda mais) os impostos cobrados aos contribuintes, descobriram que a forma que tinham de continuar a financiar as suas clientelas eleitorais e partidárias era através de empréstimos, ficando em larga medida à mercê da banca. Na Zona Euro, acresce ainda uma outra perversão, a da moeda única. Esta incentivou os países conhecidos jocosamente como PIIGS a endividarem-se a juros baixos, que se justificavam em virtude dos investidores terem encarado os títulos de dívida destes tão seguros quanto os da Alemanha, crendo que esta e a França os resgatariam se algum deles entrasse em incumprimento. Com estes incentivos, não admira que os políticos dos países do sul da Europa tivessem aproveitado a oportunidade para prometer aos eleitores mais benefícios, assim conseguindo vitórias eleitorais e alargando redes clientelares onde a promiscuidade entre políticos, banqueiros e empresários é a regra. E tanto na Zona Euro como nos EUA, a actividade dos bancos centrais é também ela perversa, pois não só criam dinheiro a partir do nada e mantêm taxas de juro artificialmente baixas, como se prestam ainda à função de credor de último recurso, resgatando bancos privados mal geridos em vez de os deixarem falir, como defende o mercado livre e o capitalismo.Mas os ocupantes de Wall Street e os seus camaradas europeus falham redondamente quando ao criticarem este panorama o denominam como capitalista, visto que na realidade aquilo a que assistimos é mais correctamente designado por crony capitalism, ou seja, uma perversão do capitalismo em que os privados se tornam próximos do poder político e fazem depender o seu sucesso dos favores que este lhes confere. O diagnóstico dos sintomas está correcto, mas a doença não é demasiado capitalismo mas sim pouco capitalismo. O capitalismo e o mercado livre fundamentam-se, como Kaiser assinala, na concorrência entre actores privados como os bancos e empresários, na ausência de agências de planeamento monetário centralizado, na falência de empresas que são geridas de forma irresponsável, numa moeda forte que assegure o poder de compra do dinheiro das pessoas, e na ausência de relações promíscuas entre o governo e as elites económicas. Ou seja, exactamente o oposto daquilo a que vimos assistindo um pouco por todo o Ocidente.

A solução dos indignados para um problema que é reflexo da expansão do aparelho estatal é mais estado, o que é perfeitamente ilógico: é o paradoxo dos indignados. Para Hessel, se os políticos e burocratas tiverem mais poder, o sistema será menos corrupto. A evidência histórica mostra precisamente o contrário, e não é por acaso que os países mais corruptos são aqueles onde o estado e os políticos têm mais peso na sociedade. Esta solução errada baseia-se em ideias que há muito vêm fazendo escola no pensamento político, tendo contribuído para alguns dos maiores desastres da humanidade, nomeadamente a combinação entre o colectivismo e o bem comum na perspectiva de Rousseau e a rejeição da liberdade individual que é o fundamento essencial da civilização ocidental.

Torna-se, por tudo isto, perigoso que no debate público as ideias erradas dos indignados, subscritas por muitos intelectuais, criem raízes duradouras. Indignações fundamentadas em ideias erradas reflectem-se em soluções erradas, apenas agravando o problema. E é por isso que intelectuais, académicos e políticos com especial responsabilidade na criação e difusão de ideias devem esforçar-se para que o debate público não se torne, como em outras épocas, propício a que ideias potencialmente totalitárias se tornem dominantes.

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