terça-feira, 21 de junho de 2011

End the BCE, long live BdP? Resposta a "O medo de sair do Euro".

Re: O Medo de Sair do Euro. , Filipe Faria no Insurgente

Diz na parte final:

"A proposta [referindo-se ao texto "Euro, saída ou Escudo em paralelo?", n.a.]de lançar um escudo baseado no ouro e na prata em concorrência com o euro é interessante e provavelmente melhor do que sair apenas do euro, pois a longo prazo tal tornaria o BCE pouco relevante devido à disciplina a que seria obrigado. Contudo, não só esta proposta seria recebida com inúmeros anti-corpos políticos, mas também tem a desvantagem de não colocar um ponto final no projecto monetário europeu, sabendo-se que, pelo contrário, a saída de inúmeros países do euro provavelmente o faria.

Como alguém que está interessado em que o poder político esteja o mais próximo possível dos indivíduos, como alguém que vê na descentralização uma virtude, quando tenho de optar entre escolher entre uma impressora europeia centralizada e longe dos indivíduos e outra próxima dos indivíduos e em competição com outras, não tenho dúvidas que prefiro a segunda.

Por outras palavras, o meu modelo de referência não está tanto nos EUA mas sim mais próximo da Suíça; e não deixa de ser inusitado que alguns europeus que gritam END THE FED sejam tão discretos e silenciosos em relação ao FED da Europa: o Banco Central Europeu."

Algumas notas:

1. O primeiro argumento contra um processo de desvalorização cambial é o de devermos respeitar as posses em euros da população, sem capacidade para antecipar tais planos como outros. Eu diria que chega de utilizar grandes construtivismos via moeda para resolver problemas económicos reais. Podia-se ter decido não entrar no Euro mas agora estamos lá. Se a primeira decisão pode ter sido errada, uma desvalorização agressiva pode constituir uma segunda ainda mais grave.

Quanto à primeira decisão e a actual situação eu escrevi neste blogue em 2003:

O deficit, o BCE e o preço do Federalismo


"(...) O BCE tem a característica única de financiar os deficits de vários Estados. Assim, o nosso esforço de contenção, que resulta na contenção da emissão de dívida pública e consequente menor emissão monetária, é diluído no todo que perfaz o total de emissão de dívida pública de todos os Estados que participam no BCE e o reflexo correspondente na emissão monetária de Euros.


O BCE está assim dependente da autocontenção de cada um dos Estados, mas onde cada um poderá beneficiar da contenção relativa dos restantes ou ser prejudicado pelo agravamento dos deficits dos restantes participantes na moeda única. O BCE baseia-se num equilíbrio económico e político delicado.


É possível imaginar, em situações de desequilíbrios económicos sérios, sempre inevitáveis devido à presença do Estado na economia e em especial no monopólio da emissão monetária, que tenha o BCE de se recusar a financiar montantes adicionais da dívida pública de um dos Estados especialmente mal comportado.


A ameaça de multas só funciona enquanto ameaça. Perante uma situação de facto, qualquer multa aplicada terá de ser financiada por mais dívida pública do Estado prevaricador. O único instrumento real de contenção é a recusa do BCE em comprar a dívida pública do Estado em causa. (...)"


E em Outubro de 2009 no Novo Rumo: O deficit, o BCE e o preço do Federalismo (revisitado)


"Em conclusão:


Um dia, institucionalmente a UE vai perceber que o BCE vai ter de colocar limites àquilo que compra ou financia aos bancos de dívida pública e até privada europeia, para injectar moeda e para suportar deficits públicos e crises financeiras privadas.


Nesse momento, a tensão será enorme e um ou vários países vão pôr em questão a sua presença na moeda única. Isto porque não é indiferente o BCE comprar em valor absoluto e em termos relativos a dívida deste Estado ou do outro."


2.
Tal desvalorização aplicada à dívida emitida em euros pelos Estado, empresas e sobretudo bancos (com dívidas de curto prazo em elevado montante ao BCE) implicaria uma acção unilateral que seria percepcionada como uma acção intolerável. Mas por outro, se a dívida não for redenominada agravar-se-à o valor desta em relação à economia nacional, agora numa nova moeda.

3. O outro factor a ter em conta é que BCE neste momento é quem decide se os Bancos vão ou não à falência. Basta não renovar as linhas especiais com os Bancos. Qualquer acção teria de resolver este problema.

4. Filipe Faria evoca a função principal de todo e qualquer Banco Central e não só de BCE ou do FED: "não sair do euro significa apenas a perpetuação deste processo onde o crédito barato torna mais apetecível contrair dívida pública". Mas esta é a razão de ser de todo e qualquer Banco Central, seja ele o FED, o BCE ou o BdP (Banco de Portugal): aumentar a capacidade do sistema monetário de expandir o crédito sem ser necessária poupança monetária prévia, quer ao Estado financiando por emissão monetária (directa e indirectamente) os défices estruturais, quer à economia privada, pela ilusão do benefício do crédito barato e de uma dita "moeda elástica".

5. Assim, a melhor via, uma que não mexe com o património das pessoas e as suas escolhas individuais, não põe em causa compromissos políticos e contratos privados, é introduzir de forma progressiva, uma alternativa monetária. E isso consegue-se pela simples introdução da circulação legal do ouro e prata sob a forma de moeda. Permitindo quem queira, de fixar preços nessas moedas, estabelecer contratos nessas moedas, emitir dívida nessas moedas.

6. Desta forma, quem se queira proteger de cenários caóticos nacionais e internacionais pode fazê-lo. Se tais cenários caóticos um dia se concretizarem, Portugal pelo menos em parte estaria melhor preparado, dado que parte da sua economia já se teria adaptado à única moeda natural da civilização e que constituía uma verdadeira moeda mundial única no pré-Grande-Guerra (e apesar dos muitos defeitos de um sistema padrão-ouro já "gerido" que em muitos aspectos o subvertia, dado permitir reservas parciais, de resto, causa dos ciclos económicos de então). Lembro um artigo algures de referir que o nível de integração económica via trocas internacionais no mundo, só recuperou o da pré-Primeira-Guerra-Mundial nos anos 80.

7. E não é de subvalorizar o hipotético aparecimento de um nicho económico em Portugal ligado a esta nova realidade, numa altura em que o ouro e prata ganham atenção e procura real crescente em todo o mundo. As primeiras nações a adoptarem esta via serão as mais beneficiadas. Portugal foi, creio, uma das primeiras nações da história a abandonar o padrão-ouro, e poderia e deveria ser a primeira a adoptá-lo outra vez. E não, mais uma vez como uma imposição absoluta, mas como uma alternativa.

8. Por último, a possibilidade de default em euros pelos Estados (ou falência de bancos) é na verdade uma virtualidade do actual sistema. Isso obriga a ajustamentos dos salários, da despesa pública e todos os mecanismos de reforma. O Euros não falha porque torna isso necessário. Infelizmente poderá falhar porque o regime político precisamente pode não conseguir assumir exactamente essa virtualidade. Ou seja, devemos ver as coisas ao contrário, o Euro corre menos mal, para um monetário ortodoxo como eu, enquanto a visão de possibilidade de falência obrigar aos ajustamentos na economia real (e obrigar a reformas estruturais que nunca seriam de outra forma aceites, etc.) e dos défices públicos. Passa a ser igual a qualquer outro, como o dólar, quando o BCE funcionar como o FED e tivermos uma Europa federal: a minha previsão é que os federalistas declarados ou no armário, vão tentar convencer os próprios alemães que ou vamos para a reconversão das dívidas nacionais em Eurobonds e um Orçamento Federal ou é o caos (tentando evitar os ajustamentos necessários mais dolorosos).

PS: O Congressista e candidato às primárias republicanas para a Presidência Ron Paul, já agora, advoga a mesma solução, ainda que a médio-prazo pretenda a abolição do FED com capacidade de emissão. A transição pode ser feita em forma de alternativa.

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