sexta-feira, 12 de setembro de 2008

tradição

Os liberais são tradicionalistas. Eles acreditam que uma sociedade será tanto mais livre quanto assentar na evolução das suas instituições, imunes a rupturas revolucionárias e a manobras de engenharia social, que se vão transformando pela selecção natural dos melhores procedimentos sociais, as regras de justa conduta. O conceito de ordem espontânea, nuclear ao liberalismo clássico, pressupõe, por outro lado, a justaposição natural e voluntária dos comportamentos individuais, preferencialmente sem intervencionismos externos ao livre-arbítrio individual. Neste processo de ordenação, a tradição representa o conhecimento e a experiência acumulados, ao longo de muito tempo, pelas gerações precedentes. Impedir ou dificultar a sua livre circulação pode provocar danos sociais irreparáveis.

A religião é a forma mais antiga e expedita que as sociedades encontraram para formular, apurar e transmitir aos vindouros algumas das mais importantes regras de vida comunitária. Desde logo, os princípios éticos e morais considerados fundamentais em cada uma das sociedades que os praticam. A moral não subsiste à margem da sociedade. Ela existe precisamente por vivermos em contacto permanente com os outros, e estabelece essencialmente as regras de justa conduta que devemos observar para com o nosso semelhante e, desde logo, connosco mesmos.

O Ocidente assenta, desde há muito, a sua civilização, isto é (para evitar mal entendidos), as suas concepções societárias nucleares, na tradição, na cultura e na religiosidade cristãs. Por conseguinte, incorporou nos preceitos essenciais das suas religiões as regras morais e os procedimentos sociais fundamentais, que foram burilados e seleccionados ao longo de séculos. Essa informação é um capital societário precioso, que não deve deixar de ser transmitida geracionalmente, aos nossos filhos e aos filhos dos nossos filhos. A alteração desta ordem natural das coisas é uma intervenção vertical inadmissível sobre a ordem social espontânea, e representa o que há de pior na mentalidade totalitária. É jacobinismo e, como sabemos, o jacobinismo situa-se nos antípodas do liberalismo.

Posto isto, é óbvio que a religião não tem lugar nas aulas de ciências da natureza, de física ou de geografia. O lugar próprio dessa tradição são as disciplinas de moral e religião, onde ela deve ser transmitida, sem esconder ou ocultar a existência de outras perspectivas e outros pontos de vista. Numa sociedade livre, a escola pública não deve ser alheia, menos ainda avessa, à tradição comunitária. Deve reflectir essa tradição, incorporá-la e transmiti-la. Naturalmente que, numa sociedade livre, o ensino e a escola poderão resultar da livre associação dos interessados. Não tem que ser um serviço eminentemente público. Logo, quem não se sinta confortável, por motivos religiosos ou outros, com a tradição comunitária (seja ela qual for) da sociedade em que vive, poderá sempre ter a liberdade de ensinar aos seus filhos uma outra forma de encarar as coisas, por associação com outros que pensem do mesmo modo. Desse ponto de vista, nada há a temer: as sociedades ocidentais já produziram e incorporaram o laicismo e a tolerância suficientes, e geraram um número mais do que suficiente de incréus capazes de se organizarem e constituírem as suas próprias instituições educativas. Mas que elas sejam alternativas às tradicionais e não substitutivas, como parece estar a acontecer entre nós.


P.S.: O meu caro amigo CAA espantou-se, aqui, com o que aqui leu. Eu espanto-me com o espanto do CAA. É que este tipo de ateísmo, que o Carlos tanto parece apreciar, não é uma causa, mas antes uma consequência. Não deve, por isso, ser motivo de espanto.

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