quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Causa Liberal

Causa Liberal

SALAZAR: UM OLHAR DESCOMPLEXADO

Discutir Salazar apresenta um desafio para quem se considera um liberal no sentido clássico. Há meio século assim me considero. Quando acordei pela verdade sobre o comunismo, ainda levei algum tempo para começar a entender a natureza complexa do problema português dentro do contexto da Europa do seu tempo. Longe vai o tempo em que colaborei num livro intitulado Oldest Ally: A Portrait of Salazar’s Portugal (1961) traduzido para francês, espanhol e checo. Injusto para com Salazar, foi um sucesso nos meios anti-fascistas, excepto entre os comunistas portugueses, que queriam controlar o conteudo e não conseguiram. Os salazaristas também não gostaram. Durante onze anos fui proibida de entrar em Portugal. Portanto é evidente que não venho de nenhuma linhagem salazarista. Estes apontamentos são, portanto, fruto de uma reflexão extremamente longa e penosa.

Como se vê pela actual polémica ainda poucos são capazes de abordar a figura de Salazar e o seu regime de um modo objectivo e desapaixonado. Este facto em si é já uma indicação de que Salazar tenha marcado singularmente a história de Portugal. O problema na realidade é outro. Não é se ele marcou, mas como é que marcou. Naturalmente os que se consideram prejudicados pelo regime salazarista e a pós-revolucionária derrota da esquerda têm uma apreciação extremamente negativa, enquanto o outro lado é mais ecléctico e as suas motivações mais variadas, mas muitas vezes igualmente subjectivas.

Praticamente ninguém quer tocar no nó da questão. É demasiado chocante para os bem-pensantes de todos os quadrantes. A direita, em geral, ainda receia o rótulo de “anti-comunista primário”. Todavia a verdade neste caso não é complexa. É bem primária, isto é: simples. Qualquer observador imparcial, despido de preconceitos herdados, é obrigado a reconhecer que tanto Salazar como Franco salvaram não só a Peninsula Ibérica, mas também a Europa do comunismo. Talvez nem um nem outro tivesse total consciência das vastas consequências das suas tomadas de posição, e funcionasse, cada um a favor prioritariamente do que julgava ser o interesse do seu país. Mas a sociedade e a história são assim: tal como no mercado económico, um imenso número de factores, parecendo independentes, se conjugam para trazer consequências que nenhum dos individúos involvidos havia planeado. Quando Salazar alcançou o poder nos fins dos anos 20 o seu primeiro objectivo foi o de pôr fim à desordem nas ruas e nas contas. Era anti-comunista convicto e coerente, mas o inimigo prioritário era a desordem; que esta podia facilitar o avanço do comunismo era incidental. Toda a sua política interna destinava-se a estabelecer e manter a ordem a qualquer custo. Se o custo em muitas áreas foi o não demasiado alto não vem aqui ao caso. Na década dos 30 Salazar manteve Portugal fora do conflito espanhol e paralelamente do eixo italo-germânico. Com imensa destreza e sensibilidade para os interesses nacionais e internacionais conseguiu manobrar numa corda-bamba entre o velho aliado e os dois novos tiranos.

Durante a Segunda Guerra Mundial persistiu nesta política e manteve Portugal fora da guerra ao mesmo tempo convencendo Franco a manter também a neutralidade, enquanto na fronteira dos Pirineus esperavam, ameaçadores, dez divisões panzer prontos a invadir.

Sem a neutralidade dos dois governos ibéricos as forças do Eixo podiam ter ocupado a peninsula fechando o mediterraneo aos aliados. (A presente geração esquece ou nunca reparou que Portugal é dos poucos países do mundo que goza mais de século e meio de paz no seu território. E que passaram quase duzentos anos desde que o solo português conheceu as botas de qualquer soldadesca estrangeira.)

Depois da guerra, quando a nossa oposição anti-salazarista sonhava com a queda do regime, Salazar prosseguiu implacavelmente com a mesma política. America e a Grã Bretanha, pelo desconsolo dos oposicionistas portugueses, apoiaram Salazar, entendendo perfeitamente o perigo da URSS, através dos seus agentes locais, estender as suas garras até o Atlântico. O mundo livre pagou um preço, na área da credibilidade democrática, por este apoio aos regimes ibéricos.

Todos conhecem o desfecho. A URSS desmoronou-se. Para quem tem olhos de ver tanto o socialismo como o marxismo sofreram estrondoso descrédito. Todavia, o comunismo não morreu. Em toda a parte sobrevive como uma miasma venenosa. Hoje, em nome da democracia (que eles nem sabem o que é) os “idiotas úteis” querem eliminar Salazar da história de Portugal enquanto enaltecem Fidel Castro e outros sanguinários ditadores. A História não lhes ensinou nada nem eles querem aprender.

Quanto à política colonial de Salazar esta é sem dúvida criticável. Tal como a dos britânicos na India, na Malásia, no Chipre, no Kenya, na Irlanda. Ou dos holandeses na Indonésia. Ou dos franceses na Indochina e na Argélia. Mas aqui também na questão colonial, nunca podemos esquecer o factor soviético e a guerra fria. No que diz respeito às colónias portuguesas o que é certo, depois de tanto sangue derramado, é que não fica nada bem aos luminários da esquerda criticar Salazar. Não foi ele o responsável pela descolonização histérica e desastrosa que levou às guerras civis de Angola, Moçambique e Timor, onde morreram muitíssimo mais homens, mulheres e crianças do que alguma vez no tempo de Salazar.

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