Público: "As religiões da nossa perplexidade", Mário Mesquita
"(...) Novas liturgias
A história da Revolução Francesa mostra os esforços do novo poder laico para construir novas liturgias com vista a suprir o "corte" com o religioso. A história da "festa revolucionária", nessa época, mostra o apogeu e, depois, o declínio dos novos rituais cívicos, muitas vezes decalcados da tradição religiosa. Procissões cívicas, construídas à imagem e semelhança das clericais, percorriam as ruas das cidades de província, colocando a Constituição, sob o pálio, no lugar reservado nas procissões católicas ao Santíssimo Sacramento. As Revoluções da Rússia e da China deixaram, por exemplo, no culto dos mortos (os túmulos de Lenine e de Mao) a marca do esforço substitutivo da religião pela ideologia dos santos religiosos pelos heróis laicos.Passado o momento revolucionário, o fervor da laicidade diminui, transforma-se, nos países de democracia liberal, em ritualidades cívicas de moderada intensidade emocional, com a ressalva de períodos excepcionais. Apenas em certos totalitarismos e ditaduras do século XX, as tentativas de substituir os deuses pelo culto do Estado, do Partido e da Ideologia, originaram situações de opressão semelhantes às que resultam da associação íntima entre as igrejas e a política (visíveis, não só nos fundamentalismos islâmicos, mas também no integrismo católico inscrito na tradição absolutista). O projecto de "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", ou seja, do laicismo perfeito, é bem mais fácil de anunciar do que de pôr em prática. Os Estados constitucionais e democráticos não conseguem (nem sequer se deveriam propor...) substituir a religião naquilo que dela é próprio e específico."
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