quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Banco CN versus Banco PA, Parte I

Aceitei o repto de PA e vou contestar ... a sua contestação da possibilidade de existir um sistema de reservas de 100% mesmo num sistema bancário livre.

Na verdade a minha tese é precisamente a oposta. Um sistema de reservas parciais não é possível num sistema bancário livre sem intervenção do Estado.

Existem várias perspectivas possíveis para tentar atacar um sistema de reservas a 100%. Neste post PA escolha a via de que a própria necessidade de concorrer e ter lucros conduz a reservas parciais (existem outras vias que antecipo já para um futuro próximo como o da crença que a quantidade de dinheiro tem de aumentar para a economia funcionar).

Vamos partir então para o argumento escolhido e o pressuposto de estarmos perante um sistema bancário livre com reservas de 100% utilizando o padrão-ouro (o ouro só deixou de ser utilizado porque foi "nacionalizado" e proibido o seu uso como moeda, nos EUA a sua mera posse foi proibida de 1933 até os anos 70).

Vamos lá por partes:

"Começo por retomar o que escrevi nest post. Admitamos então dois bancos, sob a forma de sociedades anónimas, em situação de concorrência e com 100% de reservas em ouro. Cada banco aceitou depósitos em ouro no valor de 100 e emitiu ordens de pagamento somente pelo valor de 100. Não há criação de crédito. Cada banco retira as suas receitas e os seus lucros das comissões que cobra sobre os certificados de depósito e as ordens de pagamento que emite. Não é grande negócio, diga-se."

Só para comentar e preparar o passo seguinte:

1. O ouro e prata foram desde muito cedo utilizados de forma quase universal em todas as partes e culturas do mundo. Para mim é seguro afirmar que a razão de assim ser, para além das propriedades físicas (maleável, estável, divisível) a principal característica que a isso conduziu foi o da estabilidade da quantidade total disponível para circular. Estabilidade significa nem decrescer por consumo/uso, nem aumentar. O ouro é o elemento conhecido com maior estabilidade da quantidade total (a relação entre a produção de ouro e o stock existente é o mais baixo que se conhece) e mantendo as propriedades físicas assinaladas. A prata a seguir.

2. Mais tarde tornou-se conveniente e seguro depositar o ouro/prata em locais geridos por sociedades (vamos chamar de Banco CN) que o mantinham ... seguro... e convenientemente emitiam recibos de depósito, ou seja, notas de depósito [ou davam a capacidade de depositante emitir ordens de pagamento (ex: cheques)]. Pelo serviço de guarda é cobrada uma comissão.

O balanço do Banco CN será qualquer coisa como o sequinte:

Activo: 100 moedas de ouro no cofre do Banco CN
Passivo: 100 recibos/notas emitidas pelo Banco CN representativas cada uma das moedas e que estão em circulação

Contrato subjacente a cada recibo/nota: "Vale uma moeda de ouro depositada no Banco CN".

Mas o uso de recibos/notas também não é o mais eficiente no longo prazo e na sua maior parte as moedas de ouro estão depositadas sobre a forma de depósitos à ordem sobre os quais o Banco CN disponibiliza cheques e ordens de transferência (e que dão origem a comissões), assim teremos:

Activo: 100 moedas de ouro no cofre do Banco CN
Passivo: Depósitos à Ordem (DO) de 100 moedas de ouro

Contrato subjacente ao DO: "Vale 100 moedas de ouro depositadas no Banco CN".

3. Qualquer pessoa pode (e se não pode devia poder) emprestar dinheiro, por exemplo, X empresta a Y, e para isso X dá parte das suas moedas de ouro a Y (ou recibos/notas emitidas pelo Banco CN representativas de ouro depositado) e recebe um contrato em que Y se compromete a entregar a X passado por exemplo um ano as mesmas moedas físicas ou notas delas representativas, acrescido de mais moedas físicas (ou notas delas representativas) que constituem o juro acordado entre ambos.

4. Se qualquer pessoa pode emprestar dinheiro (ex: determinada quantidade de ouro como moedas de ouro ou notas delas representativas ) a terceiros, é natural que essas mesmas pessoas emprestem dinheiro a Bancos que por sua vez concedem créditos a terceiros. Existe assim uma função de intermediação onde alguém concede crédito ao Banco CN (vamos chamar de "depósito a prazo" ou DP) e este depois concede crédito a terceiros.

O balanço do Banco CN com ambas operações de crédito será qualquer coisa como:

Activo2: 20 moedas emprestadas pelo Banco CN a Y por Ny tempo a troco de um juro Jy
Activo: 100 moedas de ouro no cofre do Banco CN
Passivo: Depósitos à Ordem (DO) de 100 moedas de ouro
Passivo2: 20 moedas de ouro emprestadas (DP) por X ao Banco CN por Nx tempo (depósito a prazo) a troco de um juro Jx

Observações:

É de esperar que o juro Jy seja superior ao juro Jx para o negócio ser rentável, para além de que o Banco CN recebe comissões de guarda sobre as 100 moedas em cofre.

Quanto ao prazo das duas operações é de esperar que prudentemente sejam similares embora isso seja uma escolha de gestão de risco do Banco CN. Quando o prazo do Passivo2 acabar o Banco CN tem de ou renovar a operação com X ou devolver as moedas de ouro a X porque se não o fizer X pede a falência do Banco CN.

Se o Banco CN entrar em falência, os detentores dos DO não perdem qualquer moeda porque não existe risco de crédito no contrato de DO das moedas. Quanto muito existe risco de as moedas serem roubadas por terceiros (contra o qual poderia existir um seguro) ou quem sabe o risco de fraude (= roubo) por parte do Banco CN (por exemplo, retiraria parte das moedas do cofre sem que ninguém o soubesse e as utilizaria para os seus próprios fins).

Conclusão da Parte I: Aqui está descrito o negócios de guarda (DO) com 100% de reservas, serviço de cheques e transferências e de concessão de crédito.

Em seguida passarei a analisar o argumento da concorrência e o da possibilidade de reservas parciais (para o qual é necessário analisar se é possível de todo existir um contrato de DO com reservas parciais, ou se existindo tal contrato este tenha adesão) apresentado por PA.

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