sábado, 15 de janeiro de 2005

Europa das regiões II

JMF no Publico: "...porque não referendar o "Plano Ibarretxe" (o nome do lehendakari, o presidente do Governo autónomo)? Não seria uma lição de democracia? Não seria a forma de permitir aos bascos escolherem o seu futuro? A resposta, por paradoxal que tal pareça, é "não".

Quer isto dizer que, não fora o Estado espanhol e a prevalência do seu Estado de direito, todos os não-nacionalistas do País Basco estariam não apenas ameaçados como desprotegidos.

...A primeira é que esse referendo não tem condições para decorrer de forma justa, leal e democrática.

...A segunda razão crucial é que uma definição liberal de democracia coloca o ênfase no direito dos indivíduos e não no "direito dos povos", um tipo de "direito" em nome do qual a Humanidade - e a Europa - conheceu as maiores tragédias
. "

Até sou capaz de concordar que qualquer intenção de Secessão levanta questões complexas (sobretudo quando movimentos migratórios modificam ao longo de gerações a identificação étnica de uma Nação...porque depois é posta em causa com facilidade), mas porque não achar que a construção da Europa ou qualquer outro processo de integração politica levanta exactamente o mesmo problema de forma inversa?

A origem problemática dos "direitos dos povos" iniciou-se com a sua proclamação por um progressista Woodrow Wilson justificando assim a entrada (essa sim trágica) dos EUA na Grande Guerra, levando ao fim dos impérios e monarquias continentais (reforçando temporáriamente o francês e inglês) e conduzindo a Europa directamente para a Segunda Guerra.

Todos os Estados existem assentes num qualquer Status Quo, que a cada momento, tentam que seja o definitivo, mas que a história teima mais tarde ou mais cedo de pôr em causa. Por exemplo, os EUA nascem da revolta dos colonos contra o bom Império Britânico e um inofensivo King George por causa de um misero imposto sobre o chá.

Mais tarde Lincoln vai declarar ilegal a secessão dos Estados Sulistas (a China está a dizer o mesmo em relação a "Taiwain"). Não é um precedente histórico muito favorável à criação de uma Federação Europeia, de que se diz, os Estados vão poder retirar-se. Mas não irá nessa altura alguém afirmar que o desejo de "sair" está a ser forçado por "nacionalistas étnicos" que falam do povo português (essa "noção artificial"...) e que estão a pôr em causa os direitos daqueles que querem continuar na "Federação"? Aposto que nessa altura já existirá um Exército Federal pronto a defender os direito desses "Europeus".

Quando diz: "a noção de "povo basco", além de artificial - tão artificial que os radicais se reivindicam o direito de definir quem é ou não basco -, resulta de um nacionalismo étnico que remete, na sua fundamentação ideológica, para imaginários que, no limite, são semelhantes aos fanatismos em que se baseiam as noções de superioridade racial...ao subtrair o País Basco ao Estado de direito espanhol, criando uma judicatura própria, atenta contra os direitos fundamentais dos que, vivendo nessa região, se sentem bascos e espanhóis, ou mesmo só espanhóis, ou até apenas cidadãos da Europa."

...as suas objecções ao "nacionalismo étnico"" e "direitos dos povos" não se aplicam a Israel?Porque não cidadãos do Médio Oriente? Já sabemos que o que faz um povo querer e conseguir governar-se a si próprio é apenas a sua capacidade de impor o seu "Status Quo". A Irlanda conseguiu mas ainda subsistem dificuldades precisamente porque é dificil duas comunidades sentirem-se apenas "cidadãos" quando uma delas começou por dominar e subjugar a outra. Tal como o "Ocidental" teria dificuldades em sentir-se um "cidadão do mundo" numa federação mundial de maioria indo-chinesa-muçulmana.


A melhor receita contra independentismo é o federalismo interno (no caso específico da Europa, muitas regiões podem vir a quer ser europeias, sim, mas como meio de ultrapassarem o seu próprio Estado). Quando não é possível, a negociação pacífica e o recurso a referendos parece inevitável. A antiga Checo-Eslováquia mostrou tal é possível. Muitos conflitos no mundo, tal como em África e noutros pontos, podem ser mais facilmente resolvidos se a Secessão for encarada com tranquilidade. Provavelmente no Iraque, a pressa pela sua democratização, poderá conduzir a uma guerra civil que acabará por desaguar na perda da unidade.

A origem dos conflitos internacionais que já marcaram a história não está no "direito dos povos" por si (embora tudo aconselhe a que só as partes em causa "discutam" entre si qualquer mudança de status quo, coisa que Wilson não fez, libertando com isso o génio do mal). É o intervencionismo económico. E este tanto pode existir nas pequenas unidades políticas como nas grandes. Mas as pequenas pagam o devido preço de forma abrupta. As grandes unidades políticas têm muita mais capacidade de se fecharem e de imporem as suas regras, enquanto proclamam as maravilhas do seu mercado interno.

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