sábado, 12 de agosto de 2006

Causa Liberal

Causa Liberal
O velho e o novo antisemitismo

O artigo Novo Antisemitismo? de Nuno Guerreiro, (na Rua da Judiaria e referido no Blog do nsurgente do dia 10) constitui uma boa contribuição para um debate sério sobre diversas facetas do antisemitismo. Creio, todavia, que existe outro factor, este de origém económica, que liga todos os antisemitismos sejam eles medievais ou modernos. Esse factor é o ódio ao capitalismo. A velha calúnia da Idade Média respeitante à culpa hereditária do povo judeu na morte de Jesus servia nesses tempos de pretexto para justificar o ódio popular. Esse ódio dirigido ao comerciante intruso (típico das sociedades agrárias e tribais) nascia da inveja e do ressentimento numa época em que o capitalismo ainda era criança. O economista Thomas Sowell na sua trilogia sobre a relação entre cultura e conquista, cultura e raça, e cultura e imigração, descreve este fenómeno que tem surgido em várias partes do mundo e em várias épocas.

Os chamados “overseas Chinese”, frequentemente descritos como os “judeus do Oriente”, eram, no último quartel do século vinte uns escassos trinta milhões de pessoas em comparação com o quase bilião de “mainland Chinese”. No entanto esses trinta milhões produziam um valor por ano muitíssimo superior ao PNB do total da China continental. Libertos dos constrangimentos existentes no seu país de origém, os emigrantes chineses souberam aproveitar do ambiente favorável ao comércio, dos tribunais justos e da ordem que encontraram nas colónias britànicas e holandesas. Também, como muitas comunidades de imigrantes, esses “overseas chinese” beneficiavam dos seus contactos familiares internacionais. Dedicaram-se aos negócios e tornaram-se ricos e, inevitavelmente, invejados. Pagaram com milhões de vidas ceifadas nos pogroms do sud-este assiático, muitas vezes provocados pelas classes dominantes indígenas assustadas com o avanço do capitalismo e a industrialização do mundo moderno.

O mesmo fenómeno surgiu em Africa quando os novos governos pós-independência correram com os asiáticos, odiados pelos africanos por serem intrusos, comerciantes e (em termos relativos) ricos. Como explica Sowell, o papel do “middleman”, especialmente se for estrangeiro, é um papel muitas vezes ingrato.

Karl Marx, ele próprio um judeu assimilado e que hoje seria classificado na gíria actual como um “self-hating Jew”, escreveu que os judeus nadavam no capitalismo como peixe na água. Nisto Marx tinha alguma razão. Quando um grupo é proibido de possuir terra e/ou de exercer determinadas profissões é natural que ele procura ganhar a vida através do comercio, da usura e de actividades intelectuais. Embora a existência destas comunidades empreendedoras normalmente traz benéficios económicos ao país anfitrião, nenhum destes profissionais é amado, nem pelo campesinato, nem pela nobreza. Também o insistente apego dos judeus ao Antigo Testamento numa época de caça ao herege garantiu a inimizade da Igreja medieval. (Nem a reforma ajudou: Lutero também odiava os judeus.) Quando a Inquisição conseguiu a eliminação dos judeus da peninsula, o efeito ecónomico foi a destruição da burguesia nascente nos países ibéricos. Quem aproveitou foi a Holanda e a Inglaterra. Cromwell permitiu a entrada dos judeus na Inglaterra e impos o Tratado de Methuen, desfavorável a Portugal e à sua nascente indústria. Os dois elementos conjugados garantiram para Portugal um destino de atrazo económico.

Quando o iluminismo do século XVIII trouxe a emancipação dos judeus e o fim das discriminações legais em grande parte da Europa, os judeus sairam em massa dos ghettos da Europa de leste, entraram nas universidades e nesses ambientes a sua tradição milenária de povo letrado garantiu o seu éxito académico. Mais um motivo para a inveja das corporações e para o enriquecimento dos países anfitriões.

Fatalmente alguns destes judeus emancipados ingressaram nas fileiras dos estudantes revolucionários. Apesar de muitos dos mais brilhantes bolcheviques serem de origém judaica, a esquerda socialista nunca morreu de amores pelos judeus nas suas fileiras. Uma grande parte dos perseguidos por Estaline nos anos trinta eram judeus. Na Alemanha arruinada pela Primeira Guerra Mundial e a destruição da sua classe média pela crise inflacionista, estava aí o bode expiatório ideal: os judeus. Hitler, o nacional socialista, aproveitou da situação acusando os judeus de serem revolucionários comunistas e ao mesmo tempo agentes do capitalismo mundial. Depois da Segunda Guerra Mundial Estaline retomou a luta contra os que ele agora chamava de “homeless cosmopolitans” e apareceu outro “novo antisemitismo”. Nas condições da Guerra Fria os judeus em terra soviética constituiam um perigo: tantos tinham parentes no occidente. E seguindo a sua tradição de cultivar as artes e as letras, muitos distinguiram-se em número desproporcional, nos campos artísticos e ciéntificos. Na Checoslovákia e na Hungria os servidores de Estaline também perseguiram os “seus” judeus nos ignominiosos processos dos anos cinquenta.

No entanto depois da Segunda Guerra e o conhecimento do que tinham sido os crimes do holocausto, a consciência geral no occidente era de que o antisemitismo só sobrevivia em pequenos circúlos de fanáticos ignorantes. O Estado de Israel tinha destruido para sempre dois mitos poderosos: primeiro que o povo judaico era um povo cobarde, incapaz de lutar pelos seus direitos e sem talento para a guerra; e, segundo, que o povo judaico não tinha qualquer vocação para a lavoura e só sabia de negócios. Pela primeira vez na história apareceu o fenómeno de respeito pelo povo judeu. E, na América, onde o antisemitismo antes era bastante comum, especialmente entre os palaeo-conservadores e os WASPS (White Anglo-Saxon Protestants) as grandes universidades finalmente abandonaram a sua política de limitar a entrada de estudantes judeus.

Nos nossos dias muita gente decente interroga-se sobre o nojento espectáculo que começou a aparecer nas últimas duas décadas. Socialistas, militantes de movimentos pretensamente humanistas como os da anti-globalização e ambientalismo, juntam-se em acções comuns com o pior da direita neo-nazi e os islamo-fascistas. Unidos em manifestações de rua, erguem bandeiras perfeitamente nazis e gritam slogans hitlerianos. Em abaixo-assinados contra a política dos EUA reiteram os velhos e gastos chavões contra Israel. Contudo, para quem tenha alguma noção da história económica e da sociológia e que conhece as posições antropológicas de Hayek a explicação não será assim tão misteriosa. Todos os componentes da nova aliança partilham um ódio visceral à economia de mercado e à própria ideia de uma sociedade livre. No occidente que em larga medida tem adoptado uma política (suicida a longo prazo) de intervencionismo estatal o principal inimgo a abater é o grande baluarte da liberdade capitalista, a América. No Médio Oriente existe o pequeno baluarte de Israel, minúsculo nas suas dimensões geográficas mas, comparado com os vizinhos, grandioso em sucessos económicos e sociais. Numa área semelhante à do Alentejo os judeus de Israel fizeram do deserto um jardim e, contra tremendos obstáculos, construiram uma sociedade livre baseada numa ética humanista e as regras do estado de direito. Cedo verificaram que o idealismo do kibutz não funcionava como esperavam e adoptaram grosso modo o capitalismo.

Os seus inimigos apontam o capitalismo americano como exemplo de imperialismo e opressão, exagerando e mentindo a respeito dos seus erros e evidentes defeitos. Israel é demasiado pequeno para uma acusação convincente de imperialismo. E o caso da Palestina, não fosse a cegueira da esquerda, não servia como papão eficaz. Os éxitos de Israel constituem uma acusação permanente à incompetência dos governantes dos países vizinhos. Atribuem o sucesso de Israel à ajuda americana e das comunidades judaicas estrangeiras. Os países vizinhos, porém, beneficiam dos imensos lucros do seu petróleo, lucros que não sabem aproveitar. A abertura da religião dos judeus ao mundo moderno constitui um flagrante contraste com o obscurantismo característico de um islão fixado na Idade Média. Então, com astúcia bem medieval os islamistas mais reaccionários, embriagados com inveja que é a mãe do ódio, casaram a sua aversão coránica contra o judeu com o tribalismo moderno dos hitlerianos para inscrever o antisemitismo e o genocídio na sua bandeira. Assim os mais numerosos e atrazados dos semitas, os árabes, combatem o mundo moderno e o capitalismo simbolizados por outro povo semita, este imensamente mais bem sucedido apesar dos seus múltiplos e seculares sofrimentos. Quanto ao Irão é só recordar o papel da antiga Pérsia nessa região do mundo ou a rivalidade da seita shiita em matéria de messianismo para perceber como o anti-capitalismo dos Aiatolas encontrou terreno fértil nas atávicas tradições locais.

Assim a esquerda internacional encontrou uma plataforma comum com um comparsa inesperado. Com o desaparecimento da URSS e o fracasso do socialismo, os anti-capitalistas do mundo uniram-se numa aliança que só superficialmente parece contra-natura. É a aliança contra os EUA e a Israel. Auto-denominados pacifistas, na sua maioria laicos militantes os apoiantes insistentes dos direitos humanos, juntam-se aos representantes obscurantistas da seita mais cruel e mais belicosa das religiões abrámicas: o integrismo islámico.

Os antisemitas de tipo hitleriano já há muito que foram desmascarados. Se o colapso do comunismo ainda não tenha desacreditado por completo os marxistas e os seus rebentos, a adopção do “novo antisemitismo” significa a vacuidade e a bancarota moral da esquerda. Esta só tem força na medida em que actua como cavalo de Troia dos islamo-fascistas.

A interrogação que fica é se essa esquerda é ou não representativa da Europa. Se for, não será só Israel a ser sacrificado mas também todos nòs e a sharia vigorará no velho continente. É por isso que o dever moral de todo o verdadeiro liberal é de apoiar Israel e de desmascarar os seus inimigos.

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