segunda-feira, 4 de agosto de 2003

Economia, intervenções militares e auto-crítica

Vêm aí tempos complicados, isso parece claro... A situação da despesa e do défice públicos nos Estados Unidos, e a concomitante ameaça à já muito fragilizada solidez do dólar (a que se junta o esforço desastroso do Fed para manter as taxas de juro artificialmente baixas), podem arrastar a economia norte-americana para uma estagnação à "japonesa" e presentear-nos a todos com uma nova e prolongada era de "estagflação": de facto, enquanto o Estado federal continua a sugar uma fatia cada vez maior da riqueza produzida (devido ao esforço de guerra) e parte importante da economia privada se enreda cada vez mais na teia do crédito fácil promovido pelo banco central, mais difíceis e dolorosos serão os efeitos das medidas necessárias à recuperação da economia - essas medidas só podem ser um corte brutal na despesa pública e uma aproximação das taxas de juro praticadas pela banca à taxa de juro de mercado (real). Quem e como se vai prestar a tomar essas medidas é o que não sabemos e, tendo em conta exemplos do passado, nos faz adivinhar um futuro com falsas soluções políticas (no curto prazo sempre menos dolorosas para os políticos) e maiores tentações inflacionistas.

O momento chegou para aqueles que, como eu, apoiaram a intervenção militar no Iraque fazerem uma auto-crítica: os custos económicos (e não meramente financeiros) deste esforço de guerra estão a tornar-se insuportáveis e isso, há que reconhecê-lo, não era de todo imprevisível. A "intervenção cirúrgica" no Iraque foi uma miragem desde o momento em que o objectivo passou a ser derrubar o regime do partido Baas (e criar um vazio de poder que convidava a uma ocupação) em vez de ser a liquidação de Saddam Hussein (abrindo caminho a uma nova liderança "dialogante"). Manifestei-me inicialmente contra acções que não se resumissem a este aspecto cirúrgico, mas não fui enfático. Continuo a pensar que uma acção violenta contra aquela liderança era necessária, mas hoje teria sido mais claro em rejeitar uma ocupação militar do país - da mesma forma que deixar tropas no Afeganistão depois de se ter desmembrado a rede de campos da Al-Qaeda me parece imprudente e contra-producente. Sei também que não estou na posse de muita informação e que desmembrar a Al-Qaeda e o perigo de Hussein sem desmantelar os regimes que os suportavam pode ser mais um wishfull thinking do que uma possibilidade realista; mas talvez tivesse sido possível (sobretudo com os meios actuais de espionagem por satélite) fazer operações aéreas sem pôr homens no terreno e sem ter a pretensão de fabricar regimes novos... Digamos que, sem abandonar a convicção de que certas situações de perigo iminente motivam intervenções militares que as neutralizem, eu seria hoje muito mais prudente em apoiar uma acção nos moldes daquela que foi feita no Iraque.

A questão é que o presente esforço militar está a ter custos insuportáveis para uma economia já de si cheia de problemas e a necessitar de reformas corajosas; ora, os gastos em que a administração Bush Jr está a embarcar vão no caminho oposto ao das reformas que os Estados Unidos precisam para manterem a liderança económica e militar que todos os liberais sabem ser o melhor seguro de vida de um mundo aberto, próspero e seguro. E pouco nos adianta, em nome da segurança, estarmos a cavar uma ruína económica que acabe com as condições materiais dessa segurança... Agora seria desastroso agravar o vazio de poder no Iraque com um abandono precipitado, mas a necessidade da retirada deveria moderar os planos de permanência militar alargada.

Sem comentários:

Enviar um comentário