quinta-feira, 7 de agosto de 2003

Reflexão sobre democracia, a “natural order” e a integração política

É importante responder: a democracia onde e a quem é que respeita. Queremos uma democracia mundial, europeia, ibérica, portuguesa? Quando falamos de democracia, esse é um fim em si mesmo?

Se a democracia é o melhor que temos e teremos, não devíamos ter uma democracia mundial? Seríamos mais livres por causa disso? Então se não é mundial, o que legitima que uma comunidade local tenha de obedecer a um processo democrático mais vasto, que a ultrapassa? Uma votação por maioria de 51% decide isso? E a minoria dessa comunidade, deve ser obrigada a fazer parte da integração?

"If it were in any way possible to grant this right of self-determination to every individual person, it would have to be done. This is impracticable only because of compelling technical considerations, which make it necessary that a region be governed as a single administrative unit and that the right of self-determination be restricted to the will of the majority of the inhabitants of areas large enough to count as territorial units in the administration of the country."

“Liberalism”, Ludwig von Mises

Creio que para Mises (um utilitarista) como em tudo, a democracia ("By means of elections and parliamentary arrangements, the change of government is executed smoothly and without friction, violence, or bloodshed")e o Estado ("the protection not only of private property, but also of peace, for in the absence of the latter the full benefits of private property cannot be reaped") éum meio para atingir um fim.

Assim, a manutenção da paz (que para Mises e para o Liberalismo Clássico é uma condição necessária) é conseguida por um processo de decisão cujos resultados tende a ser aceite pela minoria, de forma pacífica (de tal forma assim o é, que liberais rijos para quem o nível de impostos e regulação actuais estão perto da extorsão e totalitarismo da maioria, aqui o vamos combatendo no domino das ideias e de forma amena).

Podemos observar a verdadeira democracia no nosso dia a dia: um grupo de amigos decide a que local vão jantar e conviver. Aqui, estamos perante a verdadeira democracia: existe um acordo (contrato) entre as partes, onde a minoria se submete previamente às decisões da maioria.

No mercado, a democracia não é necessária. Somos livres de oferecer produtos e serviços em concorrência com outros, somos livres de consumir os produtos e serviços que nos oferecem. A nossa decisão não exclui outros da capacidade de decisão autónoma e diferenciada.

Mas quando, por alguma razão é necessário tomar decisões que a todos obrigam, a democracia é um meio possível. Já muito antes da democracia produzida pelo Estado, a sociedade civil a praticava há muito. As AG das organizações civis e comerciais, decidem também, segundo determinadas regras, quem elegem como Presidente ou como vai ser a política de investimentos. Claro que aqui, só participa e se obriga à decisão da maioria quem quer, porque conservamos o direito último de sair dessa Assembleia específica: vendendo as acções, saindo da associação.

E na política? Se a sociedade civil imperasse em todos os domínios (“natural order”) a democracia, tal como a entendemos hoje, não seria necessária. Toda a propriedade era privada e toda a acção humana seria livre mas altamente regulamentada pelos contratos privados, podemos observar já hoje em dia grandes condomínios privados residenciais e comerciais, onde já largos espaços são totalmente privados e onde todos os aspectos práticos são auto-regulados: as condições de acesso, a segurança e a ordem, a boa preservação do património, as partes comuns (ruas, estradas, zonas públicas de convívio, etc.), as regras de exclusão (proibição de consumo de droga, vadiagem, etc.). Por exemplo, nos centros comerciais nem nos damos conta do trabalho dos serviços de segurança que passa muitas vezes pela expulsão de elementos desordeiros. Os conflitos seriam decididos por tribunais (hoje observamos já o crescimento dos tribunais arbitrais privados) e seguradoras (que cobrem o risco inerente ao litígio e funcionam como primeira tentativa de resolução do conflito em causa).

Ora, tal realidade, ainda está longe de ser a regra. Portanto, para a tal realidade pública, não contratual e do domínio da propriedade colectiva, a democracia é um meio de a maioria decidir e impor a sua vontade sobre a minoria, mas uma forma pacífica de o fazer (ainda que conte com a máquina de coerção que não se abstém de usar a violência extrema para quem não se submeter a essa regra, mesmo que em tudo o indivíduo não deixe de respeitar toda a propriedade privada e todos contratos celebrados).

Existe assim, democracia no sentido corrente do termo, na medida em que estamos perante ausência de contratos e de propriedade privada. Tudo na democracia e no Estado se destina a impor decisões sobre o livre arbítrio individual, a propriedade dos outros e a suposta gestão da propriedade comum, que até pode fazer sentido para muitas comunidades principalmente se tiver uma dimensão localizada e descentralizada; mas hoje assistimos ao reverso, a criação de espaços "democráticos" cada vez mais desumanos, estando cada vez mais perto do terrível monstro da "democracia mundial".

Qual a única defesa do individuo, da família ou das comunidades, quando deixam de se reconhecer no processo de decisão maioritário onde estão inseridos?

O direito que deve permitir a um grupo sair do processo onde estão inseridos e formar a seu próprio, mais localizado. Com este direito, a que as democracias não vão conseguir escapar, porque não existe base racional ou até humana para o negar, uma comunidade pode reivindicar a formação da sua própria Assembleia local, independente, do espaço territorial e populacional maior onde estavam inseridos.

Com este direito reconhecido, será apenas uma questão de tempo, para que a grande estrutura estatista actual seja abalada, porque dela depende a capacidade de impor o monopólio de uma decisão, um sistema, a uma vasta região geográfica e população (sistema público de educação, a moeda nacionalizada, etc.).

E por este caminho, a diversidade das soluções, que incluirá muitas comunidades onde toda a propriedade é privada e a “democracia” é uma Assembleia Geral de proprietários tal como nos condomínios (curiosamente, nos primeiros e mais civilizados passos da democracia, apenas algumas faixas da população votavam, o que em norma, era um privilégio dos proprietários ou de quem pagava impostos –quando se alargou o direito de voto aos não proprietários e a quem não produzia rendimento foi previsível o resultado: o assalto à propriedade aos que produzem riqueza pelos que não a tendo, quiseram passar a ter através de “um homem, um voto”), e outras comunidades talvez contenham propriedade comum (um socialismo mitigado e muito localizado) e noutros casos, talvez até novas formas de monarquia localizada renasçam em comunidades mais conservadoras, conduzindo no seu todo a um verdadeiro estado de “rule of law”. Com este direito, não é necessário propor nenhuma utopia ou reconstrução social alternativa à nossa realidade actual, apenas darmos tempo ao tempo e à própria natureza das coisas e do homem.

A própria ameaça permanente de separação de uma comunidade ou região do espaço político (e democrático) maior onde se insere fará com que talvez a Secessão nunca se efectue porque o poder central tenderá a conter-se muito mais, respeitando a autonomia local.

Como os políticos não resistem a tomar decisões contra a soberania nacional, a bem de seu estilo de vida internacional, pelo menos, fique o Direito de Secessão bem explícito em todos os acordos internacionais e seja possível manter uma força de Segurança Nacional capaz de fazer respeitar esse Direito quando a qualquer momento possa ser reivindicado, por nós portugueses, o primeiro e último dos impérios.

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