Causa Liberal
UMA EXTRAORDINÁRIA CEGUEIRA (Primeira Parte)
Qualquer viajante pela blogoesfera, ao encontrar por acaso este site e começar a ler as diversas comunicações e respectivos comentários, é capaz de ficar bastante perplexo perante as atitudes de alguns dos autores. Esperariam, com certeza, que quem se reclama do liberalismo tivesse outra postura perante o problema mais candente do mundo actual: o islamismo extremista, por vezes denominado islamo-fascismo. O que surpreende, em primeiro lugar, é o desconhecimento e a manifesta falta de interesse pela procura de informações certeiras e relevantes. Em segundo lugar é a persistência de chavões e mitos oriundos, em última análise, de fontes esquerdistas.
Estes fenómenos surpreendem por contrastar, de modo flagrante, com a qualidade e erudição de muitos artigos publicados no site principal da Causa Liberal. Também é de estranhar a condescendência mostrada por liberais para com uma força tão inimiga do liberalismo e da própria existência do mundo livre.
Outro aspecto espantoso é a hostilidade e a suficiência, por não dizer arrogância, com que as críticas ao islamismo radical são recebidas. Estas são atacadas como se fossem provenientes de pessoas ignorantes ou preconceituosas, e com a insinuação de que quem as partilha seja também xenófobo. Tenham paciência, amigos liberais, a intolerância e a impetuosidade no debate são caracteristicas dum espírito adolescente e pouco liberal.
Como fui pessoalmente alvo de este tipo de crítica acintosa e para evitar equívocos, antes de proceder a um exame objectivo do projecto islamo-fascista acho pertinente, embora desagradável para mim, explicitar as minhas credenciais Desagradável porque não é o meu costume personalizar os argumentos. Mas lá vamos. O meu testemunho pessoal pode ser elucidativo. Era bom também, com o propósito de evitar malentendidos e perca de tempo, principiar com um “level playing-field” como dizem os anglófonos. Quer dizer: saber quais são as habilitações nesta matéria dos outros protagonistas no debate.
Primeiro, contrariamente ao que podem supor os adeptos de conclusões precipitadas, conheço com alguma intimidade a sociedade muçulmana a cujo estudo tenho dedicado muitos anos. Visitei durante longos meses, todos os países Maghrebinos e residi e trabalhei durante quatro anos na Argélia.
Todavia, ainda antes de partir, em 1962, para a África do Norte, acompanhada do meu marido (português), tinha já apoiado activamente a luta independentista argelina. Conheci vários árabes em Londres e cheguei a traduzir para inglês (do original francês) um livro (La pacification) sobre a guerra contra os franceses. No entanto os contactos mais estreitos com os argelinos só começaram em 1962 quando partimos de Marrocos para a Argélia depois de uma estadia de seis mêses. A independência tinha chegado e viajámos com os últimos militares argelinos a abandonarem as suas bases em Marrocos. Viajavam connosco algumas famílias de militares e pernoitámos antes de chegar a Orão numa aldeia nas montanhas do Atlas. O alojamento era exíguo. Ninguém tinha dinheiro e eu partilhei uma grande cama de casal com quatro mulheres argelinas; o meu marido tinha num outro quarto a companhia de cinco soldados argelinos. Durante toda essa viagem ficámos impressionados com o companheirismo e o nível de politização dessa gente simples e hospitaleira. Menciono esta viagem, que durou três dias, porque foi nssa altura que comecei realmente a conhecer e a apreciar os argelinos.
Quando chegámos finalmente a Argel fui logo trabalhar como responsável da edição inglesa de um jornal argelino publicado em língua francêsa. Com director e colegas argelinos, todos muçulmanos, aprendi não só bastante sobre a política árabe, mas também pormenores da vida doméstica. O ambiente não era de gente muito rigorosa nas suas crenças. Muitos jornalistas e funcionários do jornal guardavam sandes de fiambre e garrafas de cerveja nas gavetas das suas secretárias. No mês santo de Ramadão não jejuavam durante o dia; traziam petiscos de casa com o intúito de satisfazer a fome às escondidas. Nesse tempo pessoas religiosas não manifestavam a sua fé em público. Nunca vi nesses anos todos ninguém que se ajoelhasse na rua ou em qualquer outro lugar. Mas persistiam muitas outros práticas tradicionais. Como os portugueses antigos ainda beijavam a mão paterna e pediam a benção dos pais.
Mais tarde, enquanto o meu marido trabalhava como topografo no deserto, vivi durante quase um ano, fugida das perseguições dos exilados comunistas portugueses. O meu refúgio era a casa de uns amigos argelinos no bairro de El Biar. A família era chefiada por um ex-comandante dos maquis da FLN e foi com esses amigos em longas conversas pela noite dentro, que tomei conhecimento, pela primeira vez, do perigo que representavam dois movimentos políticos: o fundamentalismo islamíco (integrista) e o movimento Baath (secular). Já nessa altura eram ambos classificados de fascistas por quem sonhava, como os meus amigos, construir uma Argélia moderna, secular e livre.
Nessa casa, que tinha uma ampla biblioteca, comecei também a conhecer muitas obras sobre a história dos árabes e do Islão, inclusive o Al Korão em diversas línguas e outros textos religiosos e também sociológicos.
Em 1965, a seguir ao assassinato do General Humberto Delgado em Espanha, a polícia argelina prendeu um grupo de portuguese entre os quais o meu marido e eu. Esta experiênçia, instructiva embora pouco agradável, foi a consequência de uma intriga montada por exilados portugueses, militantes do PCP. Não sofremos nenhuns maus tratos e a nossa libertação foi graças à intervenção de amigos argelinos e não de portugueses como mais tarde foi reivindicada.
Nós, o meu marido e eu, nos apaixonámos pelo Maghreb, tão semelhante e tão diferente de Portugal. Para nós os árabes pareciam mesmo nossos primos, apesar de sobreviverem ainda algumas sequelas medievais que nos faziam lembrar a nossa própria história. Foi só mais tarde, nos anos 80, que coméçamos a receber notícias do acentuado crescimento do movimento fundamentalista fruto do descalabro de um regime autoritário que se pretendia socialista. A nossa experiència com os argelinos não nos tinha preparado para tais desenvolvimentos nem para a violência atróz que destrui umas centenas de milhar de vidas argelinas, quase tantas quanto foram ceifadas pelos franceses. A partir do começo dos massacres nunca mais tive notícias dos meus amigos. Porém não podia deixar de continuar as minhas leituras sobre o mundo árabe.
Assim, equipada com conhecimentos baseados não só numa experiência vivida mas também em estudos continuados, espero analizar sumariamente num próximo post os perigos reais do islamo-fascismo, expressão tão estranhamente contestada por alguns soi-disant liberais.
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