segunda-feira, 19 de junho de 2006

Os liberais e a guerra (No. 2)

No seu primeiro comentário (18/06) ao meu blog sobre o liberalismo e a guerra, CN atribui-me palavras e ideias que não são minhas e que não escrevi. Combina no seu comentário duas falácias de lógica: a do homem de palha e a de argumentar ad hominem. Para refutar os meus argumentos, tece várias suposições infundamentadas sobre as minhas ideias e posições. De modo condescendente, dirige-se ao estereótipo do aluno mal-informado. Assim, antes de comentar os ulteriores blogs de CN e para evitar mais equívocos, esclareço o seguinte.

Eu referi o papel de Hayek na SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-45) que teve características e orígens bastante diferentes das da Guerra de 1914-18. Contrariamente ao que sugere no seu último paragrafo, conheço muitíssimo bem os antecedentes e as consequências da Primeira Guerra.
Eu não disse nada sobre os países islámicos. Referi-me, isso sim, às correntes do fundamentalismo islámico, as que se opõe declaradamente à liberdade e a todos os valores caros ao liberalismo. Essas correntes podem ser classificadas rigorosamente como fascistas: totalitarismo, intolerância, expansionismo e a repressão de qualquer opositor ou adversário por meios extremamente crueis. (NB: na ausência de espaço para analizar o que podemos entender por fascismo, acrescento que não sou daqueles que utilizam a palavra como ofensa indiscriminada, ou para classificar o Estado Novo.) .
Só quem desconhece o islamismo pode generalizar a seu respeito e dizer se ele é ou não fascista. Eu não disse que o islamismo é fascista. Quem conhece a história do Médio Oriente e das seitas do Islamismo moderno, dos Wahabis da Saudi Arábia ao Grande Mufti de Jerusalem, da Irmandade Muçulmana do Egipto aos Ayatolas do Irão e os Talibã do Afganistão encontra facilmente os traços típicos do fascismo acima mencionados. Também é preciso distinguir entre o fundamentalismo dos estudiosos denominado por Ernest Gellner “High Islam” e o extremismo fundamentalista .
O que é característíco do “Folk Islam” (em oposição a algumas correntes do “High Islam”, como a do pensador reformista Mohammed Arkoun) é a ausência nos campos filósofico, moral e político de qualquer pensamento ou prática modernos, e a sobrevivência de crenças pre-islamicas e de algum sincretismo. Assim esse “Folk Islam” de diversas tendências espalhados por um bilião de crentes (na maioria pobres e ignorantes) torna-se campo fértil para a proliferação das ideias extremistas (fascistas). Um primeiro perigo para o occidente é que no campo tecnológico os extremistas não ficaram na Idade Média. O outro é que a economia mundial depende de um bem precioso em grande parte controlado por países islamicos.
Não mencionei o nome de Sadam. Por conseguinte, caro CN, não é relevante sequer tecer suposições indevidas quanto às minhas opiniões sobre tal figura.
Quanto às atitudes do liberalismo clássico perante a guerra e a paz, é repetir um lugar comum enunciar o apego à paz e repúdio da guerra partilhados por todas as pessoas de boa vontade. Também é um lugar comum do liberalismo clássico que um dos atributos essenciais desse Estado mínimo desejado é a protecção dos cidadãos contra agressões e prejuizos tanto externos como internos. (Em apoio cito Hayek).
Alguns sectores do libertarianism não aceitam esta posição e o seu pacifismo ao nível da política externa assemelha-se ao dos Quakers no seu irrealismo utópico facilmente refutado. Tais atitudes não têm nada a ver com o liberalismo clássico. Acrescenta-se, de passagem, que o pacifismo libertário em matéria de relaçóes internacionais não é coerente. Nos EUA os libertários, de modo geral, opõe-se à qualquer controlo estatal da posse e porte de armas pelos cidadãos.
A suposição, no meio de tantas erradas, que eu celebro a vitória contra o nazi-fascismo é, porém, a única correcta. Tenho que declarar aqui, em nome da transparência, não só a minha convicção intelectual a esse respeito, mas também o meu interesse pessoal. De facto participei activamente nessa guerra como voluntária no exército britânico. Como o espaço (e o tempo) agora faltam, poderia noutra ocasião sugerir alguma leitura que possa esclarecer as motivações dos anglo-americanos. Aqui só posso lembrar ao meu caro CN que as escolhas políticas são muitas vezes dolorosas e raramente se baseiam em situações quimicamente puras. Como em tudo na vida as prioridades sempre contam. Na política, por vezes são justificadas alianças com o diabo.
A comparação dos nossos dias e dilemas com os dos anos 30 parece-me particularmente pertinente. Terei muito gosto em elaborar esta afirmação noutro lugar. Seria bastante alongada. Como sou octogenária e interessei-me pela política bastante cedo vivi os últimos anos dessa década e a seguinte com alguma intensidade. No entanto poderei indicar uma bibliografia adequada.
Como o comentário de CN é pródigo em suposições quanto às minhas posições tomo a liberdade, com todo o respeito, de trocar pelo seu um conselho meu. Não é prudente pressupor a ignorância do interlocutor ou atribuir-lhe opiniões que efectivamente não tem. Conheço bem as posições e argumentos de diversas seitas libertárias. Tenho seguido as suas querelas e argumentos ao longo de muitos anos. Por isso reclamo o direito de expressar o meu profundo desacordo e de apontar as parecenças de muitas posiçóes dos libertários às da extrema esquerda, as quais também conheço.
(TO BE CONTINUED)

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