quinta-feira, 2 de dezembro de 2004

A dissolução da ameaça misteriosa (II)

A dissolução anunciada conduz a algumas reflexões sobre o momento político actual e, em concreto, sobre os partidos da maioria. Antes de mais, é bom notar que, desde 2002, foi do PSD que vieram sempre todas as ameaças de instabilidade. Após as eleições, Durão Barroso, contrafeito, percebeu que não podia construir uma solução governativa sólida sem o apoio parlamentar do CDS e que, nesse cenário, o melhor era responsabilizar o parceiro de coligação, dando-lhe participação no governo. Não fosse o líder do CDS ser tentado a ter um pé no governo e outro na oposição…

Mas o CDS vestiu por inteiro o papel governamental e foi leal até ao tutano, o que forçou os desestabilizadores da oposição a adoptarem a estratégia de “picar” Durão Barroso e a velha guarda cavaquista do PSD com insinuações de que era o dr. Paulo Portas quem “marcava a agenda política” do governo e da maioria. Ao contrário dos impressionáveis do PSD, Durão não se impressionou com tais insinuações, que voltaram a ser feitas quando Santana Lopes lhe sucedeu. Este dava mostras de estar a seguir a estratégia de Durão, de ignorar essas tentativas de criação de desconfiança entre os dois partidos, que sempre funcionaram muito bem entre os cavaquistas que têm um ódio de estimação por Portas. O próprio oráculo laranja, leia-se o Prof. Cavaco Silva, que nunca se atirara às canelas de Durão, aproveitou a maior fraqueza de Santana para desferir à coligação um ataque que nunca os seus fiéis saudosistas se haviam atrevido a fazer: aparentemente e no seu discurso, passe a imodéstia, o Prof. Cavaco é de uma colheita de “bons políticos” que não suporta os “maus políticos” (leia-se, Santana e Portas). Talvez por uma questão geracional, tenho alguma dificuldade de seguir o raciocínio de Cavaco e de considerar o seu legado político assim tão brilhante.

Resta saber o que irão laranjas como ele fazer em relação à liderança legitimada no último congresso do PSD (Santana): estiveram contra este governo e vão apoiar Santana como líder em campanha? Ou vão continuar a criticar nas bancadas, contribuindo para um desaire eleitoral do PSD, de que serão também responsáveis? São demasiadas incógnitas, que ajudam a perceber o acerto das declarações de ontem do dr. Paulo Portas, marcando prudentemente a estratégia própria do CDS e mostrando que não está à espera deste PSD para preparar os próximos tempos.

Como frisou Portas, o CDS pode apresentar-se como partido que esteve nestes últimos dois anos do lado da estabilidade com actos (já o PSD e a velha guarda cavaquista…); pode apresentar obra feita em pelo menos dois ministérios (Segurança Social e Defesa) e pode aparecer unido nas próximas eleições. A conjuntura é, pois, favorável a que o CDS se apresente em listas próprias, o que é a melhor opção para ter bem marcado o seu terreno político. Ir à boleia do PSD foi sempre o que de pior podia acontecer ao CDS e viu-se, em 2002, numa conjuntura não mais favorável que a actual em termos de opinião publica(da), que o CDS não só se aguentou como fez passar por si a solução política do pós-guterrismo. Tinha uns incontornáveis 8,8% ganhos nas urnas e não em reuniões de directórios partidários pré-coligados.

O “grito de Ipiranga” de Portas, ontem, revela um político astuto, com capacidade de responder com rapidez a desafios como o actual. As suas palavras revelam também um líder que sabe o que pensa e o que quer, de uma forma que nunca se viu nos “bons políticos” de há dez anos… Disse, sensatamente, que o compromisso de estar no governo o levou a moderar determinadas opções e linhas doutrinárias e prometeu, agora que vai ficar “livre”, voltar a pôr acento na identidade conservadora e liberal do CDS. É disso que precisamos… Salvo algum deslize surpreendente, parece-me que ontem estive a ver na televisão o melhor político desta geração.

P.S. Permita-se-me um post scriptum sobre a questão do orçamento. Como vai ser? O Presidente quer dissolver para pôr fim à experiência deste governo. Ora, se o governo não sabe governar e o orçamento é a arquitectura da acção do governo, o Presidente não vai com certeza promulgar o orçamento de um governo tão mau, não é assim? Ou será que, para não vivermos em regime de duodécimos, vamos ter a situação bizarra de uma dissolução e de um orçamento saído do que foi dissolvido? Mas, então, como justificar a dissolução?

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