domingo, 1 de março de 2009

Notas sobre falácias económicas e monetárias

Existem três aplicações possíveis do rendimento:


1. consumo,
2. investimento
3. variação nos saldos monetários ("hoarding"/"dishoarding").



A taxa de juro é um fenómeno resultante da preferência temporal por aquilo que está mais próximo no tempo. Assim, qualquer bem (ou até conceptualmente, um dado fim), vale menos se apenas disponível daqui a uma ano do que se imediatamente disponível hoje.


A taxa de juro pura é assim um fenómeno da economia real, directamente proporcional à distancia temporal e que tem lugar mesmo numa economia sem moeda. Na verdade existe mesmo no paradigma de equilíbrio económico, onde nenhuma incerteza tem lugar (mas onde subsistem preferências subjectivas - uma característica inata à acção humana) e que tornaria a posse de moeda desnecessária já que toda a produção e consumo se daria de tal forma que teria lugar em momentos coincidentes.


Introduzindo agora o factor incerteza, a moeda como um bem (ou conjunto de bens, historicamente - e por boas razões como a estabilidade da quantidade total - o ouro, a prata, o cobre) escolhido como meio de troca, passa a ter uma procura natural como forma de deter capacidade de poder de troca imediatamente mobilizável e em qualquer altura.


E assim, a cada momento coexistem dois fenómenos de preferência independentes:


1- a taxa de juro (derivado da preferência temporal).
2- a procura por moeda (derivado da utilidade da posse de um meio de troca).


A taxa de juro determina a cada momento a repartição proporcional entre o consumo e investimento. Quanto menor a preferência temporal, menor a taxa de juro, o que reflecte a maior propensão a investir em fins mais distantes com o fim de aumentar a capacidade de consumo no futuro.


A procura por moeda determina a repartição entre aumento ou diminuição de saldos monetário relativamente ao consumo MAIS o investimento.


Assim:


- A taxa de juro pura é afectada apenas por alterações na preferência temporal e determina a repartição relativa entre consumo versus investimento.


e constitui um fenómeno independente da...


- a procura de moeda afectada pela incerteza e que determina o nível de preços. Um aumento dos saldos monetários médios induz a uma redução de preços, uma diminuição induz um aumento de preços.


[Agora é preciso definir em termos precisos o que significa posse de saldos monetários ("hoarding") e em termos precisos só pode constituir:


- a posse de um meio de troca (moeda) que está na posse exclusiva do seu proprietário. De forma simples: moeda que está fora de circulação por decisão do seu proprietário.


Assim, ou moedas guardadas por si, ou depositada com 100% de reservas. O que conduz a uma conclusão interessante. A moeda depositada em saldo de depósitos num sistema de reservas parciais não constitui "moeda".


Quanto no presente regime de reservas parciais, as pessoas liquidam investimentos e activos diversos para aumentar o saldo de depósitos à ordem, o que se passa é que se o investimento deixou de ser suportado pelo credor ou accionista directo ficou agora o sistema bancário com capacidade de se substituir ao anterior credor ou accionista.


O engraçado desta constatação é que aparentemente, no regime actual, o aumento da procura de moeda é na verdade, um aumento da procura por saldos de depósitos à ordem que na verdade constituem de qualquer forma crédito ao sistema bancário. O que falha apenas é que tais saldos podem mudar de banco e isso materializa a transformação do crédito ao banco em moeda, mas apenas no momento da transferência. Depois de transferido com sucesso, o banco receptor continua com capacidade de manter o crédito - por isso, o último patamar do regime actual é passar a existir apenas um banco central e um banco comercial ...algo cada vez mais perto de acontecer dada as nacionalizações conjugado com as supostas garantias sobre a totalidade dos depósitos e anunciadas intenções de coordenação monetária internacional].


É assim preciso ter em conta que a "revolução" Keynesiana parte da falácia da quantidade insuficiente de dinheiro e crédito, a que se junta a crença que se as pessoas aumentarem a procura de moeda (cujo efeito é induzir a descida de preços) o consumo e investimento diminuem.


A disfunção intelectual introduzida pelo Keynesianismo, e tão evidente hoje nos mais variados comentários económicos, passa na base por confundir os dois fenómenos; taxa de juro e procura de moeda.


O que conduz depois à completa esquizofrenia de separar o fenómeno do crédito da poupança. Assim, no mundo ideal da doutrina económica vigente, o crescimento económico depende de:


- o consumo ser "forte", de aumentar, e nunca, em caso algum, diminuir.
- e o crédito também ("forte", de aumentar, e nunca, em caso algum, diminuir.)


Trata-se assim o aumento do consumo como uma "causa" em vez de ser uma "consequência" do processo de poupança investida permitir o aumento do consumo no futuro.


E depois aparece o "crédito" como algo totalmente desligado da poupança.


O sistema bancário de facto concede crédito não pela mobilização e intermediação de poupança, mas sim pela criação pura de moeda que tem lugar ao multiplicar as reservas injectadas pelos Bancos Centrais quando estes compram ou financiam activos (antes, apenas divida pública, hoje, qualquer activo parece ser candidato a ser monetizado pelos Bancos Centrais). Sendo este o processo que motiva os ciclos económicos constituídos por bolhas de expansão seguidas de recessão e crises bancárias.


Adicione-se que ainda hoje se consegue comprovar a total incompreensão sobre o apenas aparente Paradoxo da Poupança que em extremo se expressa mais ou menos desta forma:


"Se as pessoas pouparem 100% do rendimento, ninguém consome e não há nada para produzir."


Se as pessoas pouparem 100% do rendimento é porque a preferência temporal é tão baixa que a taxa de juro será próxima de 0%, e desta forma investem todo o rendimento em formas de produção que vão aumentar a capacidade de produção e consumo no futuro.


Dito de outra forma, "poupar muito" é investir muito no aumento da capacidade de consumo futuro.


Nesta situação, a procura por bens de capital aumenta e os preços relativos destes bens sobem relativamente aos bens de consumo final (que vêm a sua produção diminuir, sendo os recursos reafectados para a produção de bens de capital ou intermédios).


Assim, poupar muito é passar a investir muito, colocando a economia a crescer muito mais rapidamente do que aquela que nada poupa, sendo assim incapaz de acumular bens de capital capazes de aumentar a produção e consumo em cada período seguinte.


Já se por "poupar" se quer significar aumento dos saldos monetários, o efeito vai ser induzir a baixa de preços, mas em si não significa que exista qualquer alteração na repartição relativa entre consumo e investimento.


Além disso, este fenómeno equilibra-se a si próprio. Na medida em que aumenta a procura de saldos monetários e isso induz a descida de preços, o poder de compra desses saldos monetários sobe ainda mais até que o poder de compra acumulado nesses saldos relativamente ao rendimento se revela tão significativo que incentiva à ... utilização dessas saldos monetários (diminuindo assim o valor desses saldos médios).


É assim uma falácia completa a crença que existe poupança excessiva. Nunca pode ser excessiva até porque, na ausência do socialismo monetário conduzido pelas imposições dos Bancos Centrais, a repartição entre consumo e poupança, é uma mera expressão de vontade e preferência. Nunca pode ser excessiva. É o que for. E o que for determina o ritmo de crescimento económico. Voluntário.


Uma observação final a outra crença comum (transcrevo):


"É que acredite: é matematicamente demonstrável, com contas de trazer por casa que é mesmo má [a descida de preços]. E paralisa toda a economia."



Esta observação caracteriza também a falta de distinção entre a queda de preços que tem lugar com o crescimento económico saudável e perante uma moeda estável (no limite, poderia ser constante) e uma queda de preços que resulta do arrebentar de um bolha fomentada pela expansão de crédito via pura criação de moeda, podendo ser seguida de um aumento da procura por moeda (dado o aumento da incerteza) e até uma contracção monetária e falências bancárias (resultado natural do facto do colateral [crédito concedido] dos depósitos bancários criados estarem a ser destruídos, deixando os bancos com dificuldade em honrarem pedidos de transferência ou levantamentos). Na verdade, tal contracção monetária seria devida e teria lugar, não fosse o esperado pânico do regime monetário perante a possibilidade da sua falência em cadeia - o que conduz à injecção imediata de mais moeda e crédito no sistema.


Assim, uma descida contínua de preços como consequência do crescimento assemelha-se à descida de preços verificada em produtos de consumo como a informática ou electrónica (ex: os televisores "flat-panel"). Seria absurdo ser matematicamente demonstrável que se uma grande parte dos produtos de consumo registassem ganhos de produtividade tais que experimentassem uma descida de preços semelhante, isso seria ruinoso. Porque aparentemente, existiria uma lei matemática que diria que se uns quantos descerem isso é bom, mas se muitos preços descerem (como resultado de grandes aumentos de produtividade) isso seria mau.


A confusão é habitual (começa na confiança que em economia a matemática ou econometria tem um grande papel na formulação de leis universais - terá concerteza como ferramenta de estudo de questões concretas) e é não identificar causas e consequências, em especial que uma má deflação tem lugar num regime monetário intervencionado onde tem lugar uma prévia expansão de crédito e moeda conduzindo a uma recessão, com liquidação de activos objecto de prévia inflação de preços. E diga-se que essa má deflação não deve ser resistida. É sim a manifestação de um processo de cura doloroso mas necessário.

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