Concordo com o AAA. Lopes Kfouri no Individuo, refere-se à evidente armadilha de fazer da democracia a nova causa. Uma espécie de novo Jacobinismo, fundado no princípio napoleónico de impor militarmente uma nova realidade iluminista.
Agora quanto ao artigo em questão, no seu início podemos ler uma citação do antigo testamento, onde os Judeus pedem a Deus que lhes dê um Rei - porque houve um tempo, o "Tempo dos Juízes", descrito na Bíblia, em que o seu sistema social correspondia à mais pura "Natural Order": não existia um poder centralizado, mas sim Juízes que arbitravam conflitos e produziam jurisprudência, ao mesmo tempo conservando as tradições e formando-as. Longe vão os tempos onde a população se revoltava contra o “Rei” quando este impunha algo “novo”. Lei era aquilo que era “antigo”, que vinha dos costumes dos seus antepassados. E o que era antigo vinha do mais puro instintivo respeito pela “natural law”. E para isso recorriam aos sábios e juízes, à religião, ao Vaticano, a Deus, para contrapor ao “governador” que “inovava” para melhor estabelecer o seu próprio poder.
Essa é a inspiração anarco-capitalista que no fundo forma a “Teoria Geral do Contrato e Propriedade Privada”, onde todas as relações sociais são contratuais ou por “convenant” e toda a propriedade é privada. É a forma máxima de descentralização. Não é uma utopia porque não promete o fim da pobreza nem nenhum mundo novo. Apenas uma regra ética de convivência civilizacional fundada no livre arbítrio e direito à propriedade.
Todos os outros sistemas sociais propostos ou existentes são casos particulares deste, diferindo na forma como a coerção autoritária, seja de um poder democrático ou não, impõe unilateralmente os seus serviços (a segurança, os tribunais, a redistribuição, a regulamentação, os impostos, etc.) e o seu juízo por legislação centralizada, do que é permitido ou não. E como o Estado tem de defender o seu monopólio, são precisamente as ameaças à sua existência que mais são criminalizadas: a fuga aos impostos (mesmo que ultrapassem mais de 50% de todo o nosso rendimento. Algo impensável no século 19 que provocaria a maior das revoluções), o fim do sigilo (violação de contratos entre partes), a organização da defesa pessoal (posse de armas, milícias, etc.), a proibição de tribunais privados, o Bilhete de Identidade, etc.
A resposta de Deus, quanto ao pedido de um Rei, é a mais forte fonte de inspiração do anarquismo que eu conheço, porque avisa quanto ao destino fatal da criação de um poder centralizado, mesmo quando este tem a boa intenção de providenciar um bom governo. Por Rei podemos entender qualquer forma de Poder Centralizado.
"Este será o direito do rei que vós há de governar: Tomará os vossos filhos e os porá nas suas carroças, fará deles moços de cavalo e correrão diante dos seus coches, os constituirá seus tribunos, seus centuriões, lavradores dos seus campos, segadores das suas messes, fabricantes das suas armas e carroças. Fará de vossas filhas suas perfumadeiras, cozinheiras e padeiras. Tomará também o melhor dos vossos campos, das vossas vinhas, dos vossos olivais e dá-los-á a seus servos. Também tomará o dízimo dos vossos trigos e do rendimento das vinhas, para ter que dar aos seus eunucos e servos. Tomará também os vossos servos e servas, os melhores jovens, os jumentos e os empregará no seu trabalho. Tomará também o dízimo dos vossos rebanhos e vós sereis seus servos. E naquele dia clamareis por causa do vosso rei, que vós mesmos elegestes; e o Senhor não vos ouvirá naquele dia, porque vós mesmos pedistes um rei”.
Esta é a visão dos Estados Modernos, que por legislação, impõe a seu uniformidade às massas. Que essa legislação saia de um processo democrático não lhe retira as suas consequências: a imposição de normas a serem aplicadas universalmente em massa.
Dou muitas vezes o exemplo das decisões sobre a Droga. O que defendemos defender? Que exista um referendo mundial sobre a liberalização do consumo e produção de droga ou a sua criminalização, sendo o seu resultado aplicado uniformemente em todo o planeta, ou que em cada região, país, distrito, seja decido por referendo e aplicando-se múltiplas soluções conforme as preferências locais? Recorrendo à “Teoria Geral do Contrato e Propriedade Privada”, cada local está inserido numa zona de condomínio comum, com um contrato geral, decidido em Assembleia, com regras próprias de funcionamento e de aferição de decisões, onde deverá ser regulamentada a possibilidade ou não de uso em local comum ou até privado (uma vez que está inserido num espaço que implica a aderência a um conjunto de normas internas).
Concluo dizendo que seja qual a nossa opinião na discussão em abstracto de sistemas sociais, de uma forma ou outra, a “Teoria Geral do Contrato e Propriedade Privada” está sempre presente, mesmo que de forma inconsciente. Mesmo os socialistas têm de concordar de que para um comunidade existir com poucas formas de posse individual de propriedade, implicando o estabelecimento de regras para decisões colectivas, têm a comunidade em questão de ser constituída por indivíduos que acordam aderir a tal contrato, sendo este limitado a um determinado espaço geográfico, ou seja, uma propriedade detida por essa comunidade. A democracia de igual forma, tem subentendido um contrato pelo qual, todos os indivíduos acordam submeter-se às decisões tomadas por maioria, mesmo que estas decisões impliquem a violação do seu direito natural ao seu livre arbítrio e da sua propriedade.
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