sábado, 20 de dezembro de 2003

Faleceu Orlando Vitorino (1922-2003)

Só soube ontem (Sexta-feira), através de uma notícia na secção cultural do jornal "Público" que falecera no passado Domingo o Dr. Orlando Vitorino, o maior vulto intelectual do liberalismo português contemporâneo. Licenciado pela Faculdade de Letras de Lisboa em Filologia Românica e Ciências Histórico-Filosóficas, Vitorino veio a revelar-se um dos mais originais pensadores da corrente denominada Filosofia Portuguesa e teve uma intensa actividade enquanto crítico, jornalista e publicista, e ainda como encenador e realizador de cinema. O seu legado intelectual teve a feliz originalidade de ligar explicitamente a tradição filosófica em que se situava à tradição liberal, o que ficou magistralmente exposto na sua principal obra, "Refutação da Filosofia Triunfante" (1976), em que atacou profundamente a mentalidade colectivista que suportava o então triunfante socialismo português. Nessa obra, Vitorino defende um são individualismo assente nos três princípios inseparáveis da procura da Verdade (legada pela filosofia clássica dos Gregos), da Justiça (legada pela ordem jurídica romana) e da Liberdade (legada pelo cristianismo) e que são o ponto de partida para a defesa que faz da "politeia" aristotélica (a que chama "poliarquia") como melhor regime político e da economia política dos clássicos como o melhor sistema económico (embora com a lucidez de já recorrer aos Austríacos, e a Mises em particular, para abordar a questão do valor e da moeda). O milagre intelectual que representou o aparecimento de um tal livro no Portugal de então foi continuado por um persistente esforço de Vitorino em divulgar o liberalismo nas suas vertentes filosófica, política e económica: na revista "Escola Formal" atacou o sistema estatal de educação, em 1980 traduziu e editou "O Caminho para a Servidão" de F. A. Hayek e em 1983 publicou "Exaltação da Filosofia Derrotada", um complemento à "Refutação", em que apresenta e faz o elogio de Mises, Hayek e Friedman (embora se identificasse sobretudo com os dois primeiros). Convém ler as obras de Vitorino para nos espantarmos não só com a clareza cristalina da sua argumentação, mas também com o entusiasmo que as ideias liberais imprimiram a um intelectual opositor do Estado Novo que recusou o consenso marxista desse lado da "barricada"; poucos homens do meio cultural no Ocidente (quanto mais em Portugal!) poderiam dizer, como Vitorino pôde confessar, que a descoberta dos grandes economistas liberais do século XX foi uma experiência de profunda libertação e felicidade intelectual. E talvez Vitorino tenha chegado a saber que, para outros, mais novos, um livro como a "Refutação" representou exactamente a mesma experiência...

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