sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

A separação da Igreja e Estado...

...no Ocidente não foi conseguida "após" muito esforço e culminada no século 20. O que este século trouxe foi o afastamento da religião e está para ser provado que a decadência do Oeste e a sua verdadeira ameça não será mesmo o secularismo-laicismo-extremo em que caiu, onde não existem deveres e limites morais no exercício na liberdade.

Pelo contrário, essa separação existiu desde o Catolicismo da Idade Média, esse tempo em que não existiam "Estados", mas sim diferentes fontes de soberanias (a da propriedade e família - conceitos que se confundiam, a da Igreja, a do Feudalismo, a do Rei, a das cidades e vilas, a das ordens) e uma grande grau de concorrência política entre unidades em preservar a população.

Pensa-se nos admiráveis Castelos como pontos de protecção contra o inimigo externo, mas isso é uma falácia, os Castelos protegiam também a soberania da região de qualquer exercício de concentração de poder interno na Nação: eram o garante de um Federalismo radical.

E assim, dentro do seu paradigma (a família como o núcleo individual, a religião como condutora dos princípios) e estado tecnológico, era em muitos aspectos, mais livre que actualmente (onde se confunde com obsessão, um mero processo de decisão, muito discutivel - a capacidade dada aos não proprietários de invadirem aquilo que não é seu, com o objectivo final que é a auto--soberania).

E aquilo que é fulcral no conceito de separação de Igreja e Estado, não é que a Igreja seja decapitada da sua soberania própria, mas que o Estado, onde toda a soberania é imposta por força de seu monopólio, pretenda atrair para si o reino dos céus como forma de alargar a ainda mais domínios, a sua acção absolutista. No limite, é o Estado que tem de perder todo o seu "poder", não a Igreja. Isso é que será separação.

Agora, o que é único na "civilização ocidental", foi que a Igreja e o Vaticano, desde o início um orgão hierárquico mas extremamente descentralizado, verdadeiramente internacional e com presença nacional (think globally act locally), fomentava uma lingua única (o latim) e códigos de comportamento entre princípes, as cidades e as suas disputas.

É preciso ter em conta que este conceito "orgão internacional" hoje é perfeitamente normal, devido à tecnologia e condições económicas e politicas actuais, mas tem de ser reconhecido como algo notável, para ser estabelecido em tão remotos tempos. E estabelecido à margem e em concorrência com o poder político.

Assim, a tal civilização ocidental surge como verdadeiramente única no contexto das grandes civilizações (que se atrasaram) por causa: atomização política, poder religioso autónomo, forte e separado, soberania local e da propriedade extrema.

Não é assim o século 20 que representou um salto em frente (principalmente estando este mergulhado nos piores eventos que a civilização já alguma vez testemunhou - começou tudo na Grande Guerra). O salto "ocidental" tinha sido dado já na Idade Média que a distinguia de todas as outras civilizações.

E diga-se que a "Reforma", num dos seus aspectos negativos, o que conseguiu foi fazer decair o conceito internacional da Igreja para serem criadas Igrejas Nacionais intimamente ligadas ao Poder do Príncipe, no meio do maior caos de guerras religiosas (onde o Príncipe com a sua "conversão" vai "nacionalizar" as terras da Igreja), onde por causa desse evento, e só por causa desse evento, nasce a falácia de Hobbes, dando desculpa para o nascimento do Estado Moderno (a do absolutismo do monopólio legislativo e de coerção). Só mais tarde com a individualização protestante é retomado um ponto mais equilibrado.

Por mim, a decadência moderna, tem origem naquilo que hoje se entende por separação, que tudo invade na domínio espiritual da civilização ocidental. "Temos" menos filhos, mais divórcios, o casamento perde signficado, toda as liberdades são para serem exercidas sem discriminação e protegidas centralmente pelo Estado (reparem na expressão "direito SAGRADO à liberdade de expressão"), os velhos não dependem dos mais novos e vice-versa, etc.

É o resultado, não da separação da Igreja e Estado. Essa já fundamentalmente existia desde a Idade Média. Mas sim a sobreposição do Estado à Igreja.

PS:... só assim se compreende a reacção à possiblidade de notários católicos se poderem recusar a celebrar casamentos homossexuais, é visto como uma concorrência intolerável ao poder do Estado.

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