terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Aborto e a consistência da argumentação

Se a argumentação de Rothbard é revoltante, será a única consistente, mas ao mesmo tempo constitui uma razão para votar "Não" dado o paradigma de social-democracia em que vivemos e não o de "libertarian". Suspeito que so o "Sim-não-liberal" for "obrigado" a reconhecer a caracterização do acto do aborto tal como resulta de "Rothbard", é provável que muitos passem a votar "Não".

Como já disse, só uma concepção pelo menos genéricamente liberal, tem a capacidade de defender o "Sim-liberal" com alguma coerência. Mas o "Não -liberal" também consegue toda a coerência ao evocar o valor absoluto da vida e a alternativa da adopção logo após nascimento. Já a social-democracia só com muita dificuldade pode ser consistente com o "Sim-não-liberal". Só mesmo evocando a fraca argumentação da não vida humana.

Vamos então analisar o "Sim-liberal" de Rothbard no seu estado-de-arte:

"In the first place, we must note that the conservative Catholic position has generally been dismissed too brusquely. This position holds that the fetus is a living person, and hence that abortion is an act of murder and must therefore be outlawed as in the case of any murder. The usual reply is simply to demarcate birth as the beginning of a live human being possessing natural rights, including the right not to be murdered; before birth, the counter-argument runs, the child cannot be considered a living person. But the Catholic reply that the fetus is alive and is an imminently potential person then comes disquietingly close to the general view that a newborn baby cannot be aggressed against because it is a potential adult."

Assim, o primeiro comentário reconhece a natureza humana do feto. A leitura do raciocinio que se segue é que pode resultar distorcida:

"Another argument of the anti-abortionists is that the fetus is a living human being, and is therefore entitled to all of the rights of human beings. Very good; let us concede, for purposes of the discussion, that fetuses are human beings—or, more broadly, potential human beings—and are therefore entitled to full human rights. But what humans, we may ask, have the right to be coercive parasites within the body of an unwilling human host? Clearly no born humans have such a right, and therefore, a fortiori, the fetus can have no such right either."

Repare-se que ninguém defenderia que um ser humano, resultado de uma qualquer doença ou deficiência fisiológica, tivesse absoluta necessidade de se "ligar" de alguma forma a outro ser humano (imaginemos que para beneficiar da partilha de uma qualquer função vital) e fosse essa a única possibilidade existente para se manter vivo...

... tivesse o direito a exigir que outro ser humano fosse obrigado contra sua vontade e estabelecer essa ligação física-fisiológica.

Daí, o uso da expressão "the right to be coercive parasites within the body of an unwilling human host". Portanto, o termo "parasita" designa a caracterização de uma hipótese académica no que respeita um adulto.

Só depois, segue o raciocínio. Se não constitui um direito para um adulto... "Clearly no born humans have such a right, and therefore, a fortiori, the fetus can have no such right either."... também o não constituirá para um feto.

Mas como se pode intuir, sendo esta a única explicação consistente para justificar a não criminalização do aborto, esta não é de todo evocada pelos defensores do "sim", o que explica que depois sejam os mesmos que evocam a propósito do aborto, os mais altos valores da liberdade individual e soberania sobre o corpo-propriedade-da-mãe, tenham uma concepção de intervenção compulsória e colectivista sobre os mais diversos actos individuais (estabelecimento de contratos, por exemplo) e propriedade.

E por isso, não conferem à sociedade civil a capacidade de ela própria discriminar na sua esfera comunitária e proprietária. E falo até de muitos outros aspectos muito mais pacíficos, uma vez que não está em jogo uma vida (discriminar contra fumadores [coisa que o Estado se arroga de poder fazer mas impede os proprietários de o fazerem] , ou consumidores de droga, liberdade de aceitar menos que o salário mínimo, etc)

Repare-se, a não criminalização da venda de droga não pode significar a liberdade de venda de droga nas escadas do meu prédio. Porque se suspeito que assim seja, terei de votar sempre contra qualquer iniciativa de descriminalização da venda de droga embora seja a favor que não constitua crime.

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