terça-feira, 25 de outubro de 2005

Teoria de Justiça e Aborto

Aviso: a discussão de um acto extremo e que testa alguns conceitos civilizacionais fundamentais necessita de recorrer a raciocinios extremos.

1. Os actos imorais não devem ser criminalizados.

2. Os actos imorais devem ser objecto de auto-regulação pela sociedade civil através do direito a excluir.

3. De uma forma simplista mas eficaz, Crimes são todos os actos cometidos contra Direitos Naturais: a integridade fisica, o direito de propriedade (não roubarás, não matarás).

4. O Aborto acaba com uma vida humana (claro que a expressão "interrupção voluntária da gravidez" é já um caminho para induzir que assim não é),

5. O Corpo é óbviamente da mulher (mas o colectivista para o qual o conceito de direito de propriedade é algo indefinido - e no limite nem existe ou existe enquanto o estatismo o "licencia"- não tem própriamente "moral" para o usar como argumento de forma plena) .

6. A expulsão de uma vida humana do corpo da mulher é uma decisão altamente imoral mas é o exemplo mais extremo do exercício absoluto da soberania sobre um direito de propriedade, o que inclui a possibilidade de praticar actos imorais.

(Imaginem que expulsamos um mendigo da nossa propriedade com a consciência que este mendigo possa morrer - é certamente um acto da mais alta imoralidade e como tal deve ser "condenado" - mas é um crime expulsar alguém da nossa propriedade?)

7. A confusão entre Direito (no domínio ético) e o julgamento moral é o que leva o "conservadorismo"/Direita a reclamar soluções estatistas, criminalizando actos que podem ser considerados imorais como a venda e consumo de drogas, a prostituição, o aborto, etc.

8. A esquerda por outro lado, como tem uma ideia de "direitos individuais" (consumo, prostituição, aborto) alargada (e que no fundo, não são mais do que o exercício de um direito de propriedade sobre si mesmo) mas de todos os outros direitos de propriedade uma concepção muito restrita e condicionada a uma abstracção colectiva, acha ou tende a achar que não só o Estado deve "legalizar" esses direitos individuais como impor a sua aceitação a todos, impedindo que os proprietários possam excluir/descriminar dentro da sua soberania (criminalizando mesmo esse direito a excluir).

9. Uma Teoria de Justiça Liberal deve assim reconhecer:

- Os actos imorais não devem ser criminalizados
- O direito à exclusão faz parte da soberania do direito de propriedade

10. Num paradigma onde toda a propriedade é privada, cada comunidade privada (no qual coexiste soberania de propriedade própria e propriedade comum do tipo condomínio) pode estabelecer os seus próprios regulamentos. Estes regulamentos não definem o que é "crime" ou não, mas estabelecem princípios de mera regulação de adesão contratual voluntária. Podem existir comunidades que recusem familias com animais (como existem condominios assim) e até crianças. Em Nova Iorque a Madona não foi aceite pelo conselho de condóminos de um prédio.

As empresas também devem poder instituir as regras de contratação que bem entendam. O interesse económico tempera em geral qualquer tipo de excesso neste "direito a excluir" e quem o exerce sem bom senso está sujeito também ao direito de excluir do consumidor e da comunidade. Mas numa propriedade, quando alguém se comporta de forma diversa aos gostos do proprietário (vamos lembrar-nos de nós próprios em nossa própria casa) é "convidado" a sair.

10. Na sociedade actual o que deve então ser defendido na questão do "Aborto" por quem por um lado reconhece que

- Os actos imorais não devem ser criminalizados
- O direito à exclusão faz parte da soberania do direito de propriedade

mas onde as escolhas colectivas (referendos, decisões parlamentares, etc) querem reconhecer em parte um e não reconhecer o outro?

a) Se existe um referendo nacional que vai definir se o Aborto é legal ou não, mas cujo edificio social-democrata, não permite o exercicio do direito de excluir (porque existe muita propriedade pública por um lado e porque a que é privada está proibida de "descriminar"), deve votar contra a legalização do aborto.

Da mesma forma eu acho que se um dia a venda legal de droga ou a prostituição fosse referendada (coisa que eu acho que sim) eu votaria contra se não existirem mecanismos das comunidade poderem, por preferência e desejo de auto-regulação, excluir essas actividade que sendo "não-crimes" não são desejáveis.

b) Se o referendo nacional permitir a legalização, quem é "contra" deve passar a exigir que cada Município possa, se assim o entender, excluir a prática de aborto do seu território. Podem alguns ou muitos argumentar qual o efeito prático dessa proibição, mas no domínio da moral é o exemplo o mais determinante, além disso, a sanção deve poder conter a proibição pura e simples de residir (ou outras formas similares de exclusão) no Município.

Este é o argumento pela aplicação do princípio Federal ao nivel nacional e não supra-nacional. Ou chamemos de descentralização politico-administrativa. Esta descentralização política aproxima as decisões locais dos proprietários e contribuintes locais. E isso inclui a capacidade de auto-regulação.

PS: Os EUA oferecem um mau exemplo de como o Federalismo pode ser mal interpretado. A decisão do Supremo em legalizar federalmente o aborto foi profundamente errada. Essa decisão devia caber a cada Estado.

Sem comentários:

Enviar um comentário