Lendo o recomendável Vento Sudoeste num excelente post "Campo Aberto" vs. "Arame Farpado" no Velho Oeste
"..qualquer um era livre de pôr o seu gado a pastar (embora não fosse assim tão linear - frequentemente formavam-se associações voluntárias de criadores de gado que regulavam o uso das pastagens em determindada área; isso impedia a famosa "tragédia dos comuns", mas, por outro lado, limitava o tal "direito de qualquer um utilizar livremente as pastagens"). Aliás, basta ver um western para se observar isso - o gado dos vários criadores pastava na mesma área (era isso que tornava as "marcas a ferro" tão importantes).Tal situação alterou-se com o aparecimento do arame farpado: inicialmente, era usado sobretudo pelos pequenos agricultores para protegerem as suas quintas das manadas de gado. No entanto, em breve os grandes criadores de gado começaram também a vedar terrenos, gerando-se enormes conflitos: formaram-se bandos (compostos por vaqueiros que haviam ficado sem terrenos aonde levar o seu gado) que se dedicavam a cortar as vedações dos ranchos, tentando restaurar o "campo aberto". Mas foi uma luta inglória: a propriedade privada e o arame farpado venceram o "campo aberto", alterando radicalmente o estilo de vida tradicional dos "cowboys".
...e recordando discussoes várias sobre a propriedade (sobretudo a sua posse original, ver a contradiçao da sua refutaçao tendo em conta a propriedade intelectual em "Primeiro Uso / Primeira Posse" e a Propriedade Intelectual ), é preciso desmontar a visao romântica que compreendo que atraia muita boa gente.
O capitalismo nao tem problema algum com a propriedade colectiva. As empresas, associaçoes, condomínios, os grandes centros comerciais, constituem comunidades de diferentes entidades (clientes, fornecedores, accionistas, proprietários, lojistas, etc) que partilham propriedade.
No anarquismo de esquerda, refere-se com frequência a partilha de um bem (o campo) a ser utilizado por vários (os criadores).
Um bem, quando se encontra numa "oferta" tal que nas condiçoes do momento pode ser considerado "infinito" (aliás esta é no limite a único definiçao válida de "bem público" mas isso é outra discussao, aliás intra-liberal) nao carece de definiçao de direitos de propriedade. Aliás, ninguém tem incentivo para o reivindicar.
A ética existe para nos entendermos sobre realidades finitas onde o conflito pode surgir. Assim surgiu a propriedade de forma espontânea mas também devido ao uso da razao. O Homem reconhece a sua utilidade e a sua moralidade.
Na discussao passada sobre "primeiro uso/ primeira posse" (Locke) é preciso ter em conta que é necessário que alguém faça questao na reivindicaçao. Mas nao é certo que alguém o faça. Ou seja, ainda que o "primeiro uso/ primeira posse" possa ser reivindicado por alguém (um agricultor num pedaço de terra), este pode perfeitamente entender associar-se com terceiros, para partilhar, etc.
O que tenho dito é que qualquer alternativa ao "primeiro uso /primeira posse" para ter legimidade tem de partir da presunçao da renúncia a esse direito, chegando-se a um qualquer arranjo "institucional" (claro que será sempre um arranjo local e limitado geográficamente): as associaçoes voluntárias de criadores de gado.
Assim, enquanto as pastagens forem suficientemente amplas para os criadores de gado presentes o percepcionarem como infinitos, a pastagem é um bem público (como o ar), nao existe incentivo a formaçao de "propriedade".
Claro que a "associaçao voluntária de criadores" é o primeiro sintoma que algo começa a ser escasso, porque essa associaçao pretende já regular quem está dentro da associaçao e fora, porque o número de criadores e o espaço necessário já nao é o que era inicialmente: poucos criadores perante grande espaço.
Com o tempo, o número de utilizadores e a sua intensidade versus recurso disponivel começa a ser muito elevado. O bem inicialmente "infinito" torna-se cada vez mais limitado/escasso.
Aqui, a ùnica regra ética compatível com a pacifica e produtiva cooperaçao é a criaçao de direitos de propriedade que nascem ... naturalmente pelo "primeiro uso/primeira posse".
Claro que se assim é, as "associaçoes de criadores" que usavam determinado espaço tornavam-se efectivamente proprietários desse espaço que nao pode ser usurpado por terceiros (o que pode ter acontecido por vezes, mas onde o direito à posse de arma limitava tal usurpaçao de forma generalizada), o que inclui os tais "grandes criadores". É preciso ter em conta que os "grandes criadores" seriam os tais que com maior investimento e produtividade conseguiam ir comprando terrenos e "direitos" dos pequenos criadores.
Assim, o anarquismo de esquerda "vive" de:
1. Dar exemplos que sao possiveis se todos estiverem de acordo e nenhuma das partes reivindicar o seu direito ao "primeiro uso/primeira posse" o que é perfeitamente possivel, mas necessáriamente sempre numa comunidade pequena e homogénea, e num espaço geográfico a que terá de chamar no seu todo, a "sua" propriedade (para que terceiros nao a disputem ou ponham em causa o seu entendimento "alternativo"). Um Paradoxo portanto.
(Em boa verdade, esse entendimento tem de transformar-se numa associaçao ou outra forma de propriedade colectiva que reivindique essa posse, porque se nao o fizer, podem terceiros fazê-lo.)
2. Dar exemplos usando como falácia uma situaçao concreta de um bem infinito: o "campo" de inicio abundante. Ou seja, é verdade que esses arranjos existem e existiram, mas apenas duram enquanto existir esse abundância relativa.
3. O anarquismo de esquerda é no fundo uma proclamaçao de preferência, algo a ser praticado por quem o quer praticar num determinado espaço e realidade. E até pode ser praticado por quem nao é "anarquista de esquerda", como os "criadores de gado", porque estao perante um recurso infinito.
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