sexta-feira, 2 de dezembro de 2005
Recordar uma desgraça de há duzentos anos
Passam hoje duzentos anos sobre a vitória de Napoleão na batalha de Austerlitz. Com a derrota dos exércitos austríaco e russo, o tirano francês construía um perigoso domínio continental. Perigoso para pequenos países como Portugal, que dependiam de um equilíbrio de forças entre as grandes potências do continente para preservarem algum grau de autonomia. Perigoso para o Reino Unido, que sempre viu, e justamente, numa potência continental hegemónica a maior ameaça à sua própria liberdade. Depois destes trágicos acontecimentos de há dois séculos, a difícil posição portuguesa foi-se tornando insustentável e a invasão do nosso país uma questão de tempo, como provou a insuficiência das garantias que o príncipe regente português deu a Napoleão mais tarde para satisfazer as ambições de domínio do biltre corso.
As semelhanças da Europa nestes dias negros que se seguiram a Austerlitz com a Europa dos dias em que Hitler, já senhor de quase todo o continente, se tornou uma ameaça semelhante para o Reino Unido (e para países como Portugal) são evidentes. Das duas vezes, duas tiranias sanguinárias quiseram criar na Europa uma "ordem nova" que não era compatível com as independências e autonomias históricas. Das duas vezes Portugal teve a sorte de ser governado por estadistas que percebiam claramente que a sobrevivência da nossa autonomia era ameaçada pela hegemonia continental que se impunha na ponta das baionetas ou nas lagartas dos tanques e que, pesasse embora a necessária procura de não nos envolvermos directamente nas hostilidades, os nossos interesses estavam com os do Reino Unido (e, depois, da potência marítima que o substituiu, os Estados Unidos).
Nas duas épocas houve entre nós simpatizantes dessas tiranias, candidatos a uma colaboração com o adversário em nome da excelência da "ordem nova" e que tiveram de ser apaziguados por um governo bem mais frágil do que se julga hoje.
Mesmo assim, na época da tirania napoleónica, não foi possível evitar que a guerra cá chegasse. Morreriam 250 mil portugueses na sequência das invasões francesas (numa população de três milhões de pessoas). Mulheres sem conta foram violentadas. E o país foi literalmente saqueado. Os candidatos a colaboradores tiveram a oportunidade de servir o tirano e aprenderem, à custa do sofrimento alheio, que se haviam enganado. O poder legítimo foi depois magnânimo no perdão que lhes estendeu e que no início os próprios estariam muito longe de querer usar em sentido contrário.
Em 1805, os portugueses tinham razão para estarem apreensivos com o que se passou em Austerlitz.
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