quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

MONOPOLISMO NORMATIVO

Em forma de adenda ao artigo do CN sobre a pena de morte, o direito criminal e uma posição libertária sobre esses temas, acrescentaria algumas coisas que me parecem importantes.
É um facto indiscutível que, desde o começo da centralização estatista do poder, iniciada, na Europa, pelo menos no século XIII, os príncipes chamaram a si a função punitiva e, consequentemente, o correspondente direito de enunciar os tipos legais de crime.
Fizeram-no, quase sempre, sem qualquer observância por alguns princípios que o humanitarismo jurídico emergente a partir do século XVIII enunciou. Desde logo, o da tipicidade do direito criminal (só é crime o que a lei (ou as normas jurídicas) enuncia previamente como tal), o da proporcionalidade das penas para com o crime praticado, a proibição de penas infamantes e a sucessão penal, a proibição de certo tipo de meios de «prova», como os ordálios ou juízos de Deus, etc.
O que, depois, se passou e tem vindo a passar é que o Estado se apropriou do monopólio da lei, nessa área do direito e em todas as outras. E, como em qualquer mercado onde exista uma posição monopolista, também no mercado da produção normativa a existência de uma só fonte e de uma única autoridade permite abusos de toda a espécie. Quando, hoje, discutimos os sistemas punitivos estaduais, os seus excessos e as suas arbitrariedades é, no fim de contas, dos desmandos de uma autoridade monopolista que estamos a falar.
Nessa medida, e ao contrário do que diz Rothbard no seu livro The Ethics of Liberty, não são os princípios humanitaristas do direito criminal que estão errados, mas o facto dos mesmos serem interpretados e (indevidamente) aplicados por uma entidade monopolista que é o Estado. Aliás, quando esses princípios surgem, eles pretendem limitar os excessos cometidos pelo poder do Estado nessa matéria.
No essencial, Rothbard tem razão: o direito criminal (e, em boa medida, todo o direito) deverá obedecer ao «princípio da proporcionalidade». No específico ramo do direito em causa, como Rothbard lembra, trata-se da «Lei de Talião», que ele entende dever ser aplicada numa sociedade libertária, tendo como medida complementar que o dano que deverá ser autorizado à vítima (ou a quem a represente) infligir sobre o autor do crime terá sempre como limite máximo o crime praticado.
No que Rothbard está errado é que os excessos, os desvios e a falta de proporcionalidade neste ramo do direito se devem, não às ideias humanitaristas que o pretenderam tornar mais próximo da defesa dos direitos naturais dos indivíduos, mas no facto de eles decorrerem da lei, vista esta como um instrumento da exclusiva responsabilidade do Estado.
Uma vez mais, antes de discutirmos o conteúdo normativo de um instrumento criador de direito, devemos apreciar a natureza desse próprio instrumento e tentar perceber se ela deve ser uma função monopolizável pelo Estado, ou não. Para o liberalismo a resposta é evidente: não!

P.S.: quero agradecer a todos os membros da Causa Liberal, em particular ao seu Presidente, o Luís Aguiar Santos, o convite de adesão que me endereçaram e a possibilidade de oferecer a minha colaboração à única organização liberal existente em Portugal. Será, certamente, uma contribuição modesta, mas séria e empenhada.

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