sexta-feira, 10 de outubro de 2003

Lula, Intermitente e Reservas Fraccionárias

Lulices

“Destaco duas das ultimas declarações do Presidente Lula da Silva:

"Ao invés de ficar dentro daqueles cofres enormes, é melhor colocar aquele dinheiro na mão do povo, porque ele vai virar consumo, vai gerar emprego no comércio, emprego na indústria, que vai gerar mais consumo"

Será que o Presidente do Brasil (escolher a resposta certa):

1. Tenciona reduzir a taxa de reservas legais?
2. Desconhece que os bancos têm apenas reservas fraccionárias?”

Comentário:

Obviamente Lula comete o erro clássico de confundir valores monetários com capital. O capital é constituído por todo o conjunto de bens de capital disponíveis, que resultaram dum acto de poupança anterior. Casas, fábricas, teatros, máquinas, etc. É este capital disponível que sustenta e determina o actual nível de produtividade, e apenas uma poupança adicional e investimento em bens de capital permite aumentar a produção.

Dinheiro é apenas um meio de troca e em si não representa riqueza. Sendo assim, o conceito que o dinheiro "está parado" e isso prejudica a economia é uma falácia. E aqui o Intermitente parece incorrer no mesmo erro ao sugerir que pelo facto das reservas serem fraccionarias, o dinheiro não está parado, porque só estaria “parado” na medida das reservas (depositadas no Banco Central – a entidade que tem o monopólio de impor que meios de troca são as pessoas obrigadas a usar, e detém a capacidade de fabricar do nada e por em circulação, quantidade adicionais desse meio de troca).

Em primeiro lugar, no domínio dos princípios, qualquer decisão individual de ter o dinheiro "parado", no banco ou debaixo da almofada, é legítimo e inviolável.

Em segundo, o dinheiro parado nos bancos, está de facto emprestado a terceiros, correndo o depositante risco de crédito, porque os depósitos no nossos sistema estatista, são de facto operações de crédito - como os nossos juristas compactuaram na ilegalidade de se chamar depósito a uma operação de crédito apenas prova que um sistema judicial público, defenderá sempre o seu patrão que tem o monopólio de legislar unilateralmente sobre o que é legal ou não (o que em si devia ser uma ilegalidade!).

Mesmo que, num sistema monetário livre e legal (o actual, em minha opinião e ilegal à luz do Direito Civil), onde os depósitos correspondem a "dinheiro parado" - o tão temido "hoarding" - em cofres, situação que corresponde a um sistema de 100% de reservas, onde um depósito é um depósito civil, e um recibo de depósito a que se chama nota bancária, titula a existência de uma quantidade de um commodity - Ouro, prata, etc - tal não prejudica em nada a economia, porque apenas retira de circulação uma certa, mas em média sempre modesta, constante e previsível, quantidade de valores monetários aumentando o valor ("purchasing power") dos meios em circulação (queda de preços em relação ao commodity usado como meio de troca e reserva de valor).

A maior falácia é a sugestão que a poupança (seja como retirada pura e simples de valores monetários de circulação para por debaixo da almofada, ou como depósito/operação de crédito a um banco) possa ser a causa de alguma mal, quando é precisamente o contrário, a insuficiência de poupança, que está na origem das recessões e depressões, porque, nos ciclos de expansão artificialmente provocados pela aumento do credito concedido ao investimento à custa do aumento artificial da massa monetária (inflação) e não da poupança voluntária, em que a taxa de juro é artificialmente mais baixa do que seria num ponto de equilíbrio de mercado livre, e onde muitos investimentos julgados como rentáveis e sustentados, vão ter de, mais tarde ou mais cedo, de ser liquidados.

Neste ponto, a economia precisa de liquidar capital mal investido, para o qual não existe poupança que a sustente, e refazer a sua reserva de poupança (“pool of funding”), diminuída por esses maus investimentos. Quando os créditos concedidos se tornam mal parados e na medida que estes são o colateral aos depósitos as pessoas nos bancos, fica o sistema bancário à mercê que um qualquer evento provoque uma corrida aos depósitos nos bancos, situação a que os economistas, políticos e banqueiros, se apressam de denominar de irracional, suspendendo os pagamentos (na verdade, entram em default e deveriam os depositantes forçar a liquidação dos bancos em causa, em tribunal de falência – mas os poderes extra-legais concedidos aos Bancos Centrais impedem-no, situação que repito, em si, é ilegítima).

A origem de tudo isto? A capacidade que o sistema monetário (artificial, coercivo e estatista) tem de produzir crédito sem captar poupança, uma vez que as instituições financeiras têm a autorização legislativa para "fabricar" moeda “do nada” (out of thin air) para conceder crédito, diminuindo por um lado o valor do dinheiro de todos os outros e baixando artificialmente a taxa de juro o que induz ao “malinvestment” que mais tarde ou mais cedo terá de ser liquidado. A outra origem está na monetização da dívida pública, processo pelo qual os deficits orçamentais crónicos são financiados pela emissão (fabricação) pura e simples de moeda para comprar a dívida pública do Estado.

Estas foram as causas da depressão de 1929 e de todas as outras que se seguiram, e poderão também ser a causa de um possível abalo e até colapso do sistema monetário estatista e global em que vivemos. Hoje não vivemos em padrão-ouro, destruído pelo absurdo da Grande Guerra (os Ingleses aqui, incluindo Churchill, tiveram um papel primordial, porque procuraram que a Libra retomasse o valor em relação ao Ouro de antes da guerra, através de um política de diminuição forçada da massa monetária. Ora, a cada momento, a quantidade de notas em relação ao Ouro detido, seja qual as más origens desse aumento, deve ser aceite e determinado um novo rácio – desvalorização – a partir do qual, aí sim, passará a ser fixo. Ingenuamente e por desconhecimento, não foi o que aconteceu), mas em “fiat-money” (por decreto), e nessa possibilidade, aprimeira reacção dos Bancos Centrais, que aliás já se estão a verificar, é a promessa que “protegerão” o sistema, com a emissão de toda e qualquer quantidade monetária que seja necessária para evitar o pânico – o problema é que isso significa a inflacção ou o descrédito generalizado em relação à moeda que emitem, desculpem, fabricam "out-of-thin-air".

Comprem Ouro e guardem-no em cofres longe da vista do Estado.

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