quinta-feira, 23 de outubro de 2003

o Estado e a Guerra

O Estado, dizem os Liberais, é um mal necessário (por mim, é mesmo um mal desnecessário).

É uma entidade que colecta receitas sem contratos e impõe serviços sem contratos e tem o monopólio do uso da força e a capacidade de proclamar unilateralmente o que é legal ou não, num determinado espaço territorial.

Convenhamos que não é difícil chegar à conclusão de que se tem de existir deve ser limitado. Primeiro porque no Estado, seja qual for o seu regime, se reúne uma minoria de pessoas que com os recursos e vidas dos outros, tem a capacidade potencial de fazer "política" e onde se inclui a "política" da guerra.

A guerra é a ausência de lei, onde o monopolista e guardião dessa lei, dá licença para matar e o pratica em massa sem ser objecto do julgamento dentro da "rule of law".

A guerra, tal como o Estado, é inevitável e um mal necessário? Talvez o seja, mas tudo deve ser feito para que seja evitável, por isso temos os princípios da não ingerência em regimes, da legítima defesa, da contenção de conflitos locais pela neutralidade dos terceiros, etc.

Acima de tudo, cada Estado Nação, deve compreender a validade e mesmo a inevitabilidade de adoptar os princípios liberais, e sendo essa tarefa já bem difícil de se conseguir e manter internamente, tudo se perderá quando nos deixamos levar por um falso altruísmo colectivo (falso, porque nada no Estado é verdadeiramente voluntário) a favor de causas de terceiros, sempre complexas e que a história prova que conduzem a custos e consequências inesperadas, resultando no fim, à perda das liberdades em casa.

Tendo em conta que aceitamos a ineficácia (os erros, o idealismo ingénuo, os actos a favor de grupos de interesse, a tendência a resolver as questões com maiores doses de intervencionismo) no domínio económico, não seria logo nas questões de guerra que poderíamos esperar uma "imaculada concepção" da actuação do Estado, seja este democrático ou não.

Tudo o que é dito sobre “unintended consequences” no domínio económico é ainda mais verdade quando o Estado pretende em escala desumana de milhões de pessoas, seja qual for a sua motivação (incluindo as melhores das intenções), implementar pela violência um qualquer programa de mudança para "melhor".

A história prova-nos isso, mas é preciso olhar para ela sem paixões ideológicas. A consequência dos princípios liberais é que tudo o que não resulta de actos individuais voluntários assentes no livre contrato e na propriedade privada pode ser considerado como “natural”, portanto, tudo o que obsta a este princípio poderá ser inevitável mas tenderá com toda a certeza a criar um desencadear de consequências difíceis ou impossíveis de prever e de dominar que só atrasarão uma mais rápida e serena caminhada civilizacional.

O mal das monarquias europeias foi crescerem para impérios que não souberam evitar a mais do que desnecessária Grande Guerra – todos combateram uma guerra a mais do que podiam. Esta acabou por destruir a velha civilização e deu lugar ao Estado Moderno, primeiro nas versões do fanatismo comunista e fascista, depois no racionalismo progressista das grandes democracias, esmagando o particularismo, localismo e dimensão limitada dos Estados na Europa no período do Liberalismo Clássico.

Pelo caminho, a grande nação americana que mais longe levou a quase ausência do Estado moderno, tal como hoje é concebido, foi precisamente nas diversas guerras em que se envolveu, que aos poucos, foi perdendo essa característica única. É isso que lamento, é isso que me leva a criticar a política externa intervencionista que despontou no carácter tradicionalmente neutral, consequência de todas as sociedades que desejem ter um verdadeiro governo limitado.

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