segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Propriedade e aquisição original

Para comentar mais tarde, mas pelo interesse do assunto e para registo fica aqui uma parte do post de Miguel Madeira (e a propósito de "Proudhon, liberal?"):

"Agora, vamos imaginar a seguinte situação - imaginemos que eu adquiria (porque comprava, herdava, era-me dada, não interessa como) um pedaço de terra e no "contrato de aquisição" vinha um conjunto de cláusulas estipulando que eu só poderia ser proprietário desse terreno na condição de:

a) não possuir mais que "X" hectares de terra;

b) em caso de violação do ponto anterior, ao fim de 6 meses, qualquer pessoa poderia tomar posse da minha propriedade, desde que aceitasse respeitar estas cláusulas;
c) eu só poderia transferir a propriedade para alguém que também aceitasse estas cláusulas;

Não sei o que os liberais pensam, mas creio que estas regras, em si, não seriam contraditórias com o "mercado livre"; afinal, na sua essencia não são diferentes de, digamos, comprar um terreno sabendo que tenho que dar direitos de passagem ao vizinho do lado (são diferentes no conteúdo, mas não do principio de haverem condições anexadas à propriedade de um terreno).

Aliás, se pesquisarmos os sistemas fundiários de várias sociedades tribais, por vezes encontramos regras parecidas, em que o individuo tem o usufruto do "seu" terreno, mas se morrer sem filhos ou deixar a aldeia, a terra regressa ao dominio da aldeia.

Claro que se pode argumentar que, neste exemplo se trata de uma regra aceite "voluntariamente", não de uma norma universalmente "imposta", mas aí levanta-se a questão da "aquisição original" da propriedade: como é que se adquire, pela primeira vez, a propriedade de algo que não tem dono e que direitos efectivos vêm incorporados nesse "direito de propriedade"?

Um "proudhoniano" dirá que a aquisição original de um terreno obtem-se com a "ocupação e uso" e perde-se se o proprietário deixar de "ocupar e usar" pessoalmente o terreno;
um "lockeano" dirá que propriedade obtem-se "misturando o trabalho" (no fundo, a mesma coisa que a "ocupação e uso"), desde que deixe o suficiente para os outros, e a partir daí, o dono pode fazer o que quiser com a propriedade adquirida;


um "rothbardiano" dirá o mesmo que o "lockeano", mas sem a restrição de "deixar o suficente para os outros";
outras correntes de pensamento (
georgistas, adeptos da Escola de Chicago, etc.) lá têm as suas próprias teses a esses respeito;

[Já agora, este texto, em PDF, do rothbardiano Roderick Long poderá ter algum interesse para ver as diferenças entre as várias teses da "aquisição original"]

Ora, mas esta conversa toda interessa para quê? Para determinar o que é "mercado livre" ou não. Se aceitarmos a tese rothbardiana, uma invasão de terras será uma violação do "mercado livre" se o proprietário tiver obtido essas terras, directa ou indirectamente, do ocupante original (já que os direitos de propriedade estarão a ser violados).

Pelo contrário, se aceitarmos a tese proudhoniana, um proprietário absentista exigir uma renda para alguém poder usar o seu terreno e recorrer à violência (estatal ou privada) para assegurar esse "direito" é que será uma violação do "mercado livre" (já que, segundo o conceito proudhoniano de propriedade, o titulo do suposto proprietário é ilegitimo).

Assim, de acordo com o sua visão da "aquisição original", os proudhonianos até podem ser classificados como os verdadeiros defensores do "mercado livre" e os georgistas, lockeanos, rothbardianos, etc. serão uma carrada de perigos intervencionistas, dispostos a recorrer à violência contra os "proprietários legitimos" (e poderiamos fazer um raciocinio idêntico para qualquer uma das outras escolas de pensamento).

Mas, por outro lado, se para definir se Proudhom era socialista eu estou a usar a definição socialista de socialismo ("controle dos meiso de produção pelos trabalhadores associados"), para definir se ele era liberal também deveria usar a definição liberal de liberalismo - e penso que quase nenhum liberal aceita a visão proudhoniana da propriedade como uma norma aceitável para a "aquisição original" (como alguns liberais que às vezes até vêem aqui, não sei o que eles terão a dizer)."

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