(adenda: acrescentei "ou os limites" ao título)
Não tenho nenhuma preferência especial por Hayek, mas creio que os hayekianos levam demasiado longe o conceito de ordem espontânea. Nem um anarquista como eu se atreve a pensar que a ambição de Ordem e Liberdade pode nascer de forma espontânea. Certamente a nossa razão e o nosso julgamento ético e moral serão essenciais.
Rui no Blasfémias, a quem devemos as melhores reflexões liberais, escreve em "Instituições sociais espontâneas": "o Estado. Ele é, de facto, uma instituição social espontânea, a maior e, a par da Família, a mais importante de todas"
Colocar a Família e o Estado seja a que par, é seguramente uma espécie de blasfémia. Todas as "instituições" humanas como o assassínio e a extorsão são resultado do "espontâneo". Curioso é que o assassínio em massa e a extorsão em massa seja uma prática do Estado (até mais moderna que antiga).
É que a seguir ao espontâneo temos de acrescentar "não coerciva". Hayek foi mesmo muito infeliz ao (tentar) definir coerção. E suponho que isso por vezes acaba a definir os hayekianos. O "espontâneo" como um valor em si mesmo, a "coerção" com pobre definição.
Devemos é procurar as instituições sociais espontâneas que essencialmente não usam a coerção (claramente definida) para se estabelecerem.
A noção do "Estado" como ordem social espontânea faz-me lembrar a fraca, para não dizer fraquíssima tentativa de Nozick para explicar o Estado. Assim como se na sua origem tivessem agências de segurança que de forma voluntária conseguem chegar a um patamar de monopólio natural.
Como Rothbard o explica, essa é a defesa da "Imaculada concepção do Estado". Um liberal a pretender justificar o Estado, dando quase uma explicação histórica que nunca existiu. Todos os Estados e poderes políticos nascem do exercício do poder político pela morte, destruição, roubo, acabando com qualquer forma de concorrência. O Estado é o monopólio da força. Esse monopólio não se estabelece de forma "espontânea". A tortura e morte dos Távora pelo Marquês exemplifica bem o que é o Estado e como este se desenvolve, cresce, estabelece.
E como é que os Estados se "consolidam"? Se centralizam? Como o poder executivo ganha força, mesmo (ou será principalmente) em democracias? Com Guerras. Em cada Guerra, a centralização ganha novas formas e o indivíduo, ou melhor, as "Familias", perdem terreno.
Por isso, grandes conservadores do século 20 como Russel Kirk e Robert Nisbet percebiam a Guerra como um programa anti-conservador, anti-comunidade, anti-família. Destes já não existem. Agora passa-se a vida em " search of monsters to destroy". Adiante.
O "Estado" não é uma "instituição social espontânea" não coerciva como a Igreja Católica, mesmo tendo em conta a sua história passada cujos piores momentos se devem ás fases em que mais se aproximou do poder político e as melhores quando se manteve afastada, servindo a ideia que não existe apenas o Estado como fonte de Direito, fonte de legitimidade.
O "Estado" infelizmente, não pode estar sujeito à "Reforma", que representa uma secessão organizacional no Cristianismo. Não que celebre a "Reforma", apenas porque representa a manifestação de um não monopólio.
Assim, não existe nada para celebrar pelo "espontâneo". Podemos celebrar o "espontâneo" não coercivo, mas ainda assim temos de usar a nossa capacidade como seres morais para julgar da validade das instituições sociais que nos envolvem.
O Estado não é uma "instituição social espontânea". Só se considerarmos o totalitarismo algo que saiu do "espontâneo". Toda a ordem social que não nasce do livre contrato (e capacidade de o defender pelos seus próprios meios ou meios contratados - no sentido civil, não no sentido abstracto do "contrato social") e assenta na centralização e monopólio da "legitimidade" é totalitária.
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