Símbolos Religiosos. França Discute Véus, Cruzes e Barbas Compridas
"A "Economist" explica que "muitos franceses sentem-se desconfortáveis com o islão desafiador e afirmativo", num país que tem a maior população muçulmana na Europa (cerca de cinco milhões), e receiam que se aceitarem o uso do véu estejam a abrir caminho ao tão receado "comunitarismo", em que "grupos étnicos ou religiosos possam possam segregar-se livremente e formar ' estados dentro do estado, com as suas próprias regras e valores".
Estas atitudes desafiadoras são vistas como uma verdadeira ameaça ao carácter laico da República francesa. Mas atacar o véu como se ele representasse este tipo de posições pode acabar por ter o efeito contrário ao desejado, aumentando o número de raparigas muçulmanas que agora insistem em usar o "hijab" como forma de defenderem a sua identidade, dizem os críticos da nova lei. Ou pode, como avisam alguns destes, fazer aumentar o número de escolas privadas para muçulmanos, de modo a receber as raparigas que insistem em usar o véu e são impedidas de o fazer nas escolas públicas francesas."
Nestes dois parágrafos várias questões são levantadas: o comunitarismo, a livre imigração, a liberdade religiosa, escolas públicas e propriedade privada.
1. O comunitarismo
“Estados dentro de Estados” é certamente uma visão perturbante, mas no domínio dos princípios (e até da história) é algo possível. Uma efectiva descentralização administrativa e política (um verdadeiro federalismo interno) tornam tal acto extremo improvável, principalmente, numa comunidade homogénea, mas é isso precisamente que a questão seguinte levanta.
2. "Livre imigração"
A "livre imigração", tal como é entendida correntemente, não passa de uma integração forçada pelo Estado central, ao impedir activamente ou passivamente que as comunidades locais regulem os fluxos migratórios, regras de residência, etc., de modo a que não seja posta em causa a sua estabilidade de valores, formas de estar, etc., uma das condições necessárias a uma sociedade civil estável.
Ao juntarmos "livre imigração" e "comunitarismo" percebemos que a convivência destes dois princípios é nada menos do que explosiva. Com a imigração em larga escala de um elevado número de população alheia, como por exemplo a muçulmana, arriscamo-nos a assistir a prazo a potenciais conflitos entre grupos diferentes de população. Sem ser uma analogia perfeita, tendo em conta o que se sucedeu na Palestina, mas podemos até imaginar a declaração de uma pequena região em França como "um estado muçulmano independente".
3. Escolas públicas, liberdade religiosa e propriedade privada.
Quer-se limitar a vestimenta nas escolas públicas e a seguir percebe-se que estas são permitidas nas escolas privadas. A liberdade religiosa como todas as liberdades (de imprensa, etc.) advém apenas do primado do direito à propriedade. Este é um direito de soberania sobre a regulação dessa propriedade. Muitas escolas privadas regulam as vestimentas, existem escolas católicas, como judaicas, laicas ou muçulmanas. Cada uma delas pode excluir uns e agrupar outros.
O problema nas públicas é que não deviam ser públicas. Se as existem, não é inteiramente certo que as escolas públicas devem deixar de regular as vestimentas, o que não devia suceder é que exista uma decisão obrigatória decretada por um poder central. Tal decisão devia ficar por conta de cada escola pública ou pelos organismos locais.
Conclusão: nesta pequena grande questão é possível perceber as tensões que se geram ao queremos fazer conviver diferentes princípios inconsistentes entre si. Sendo que em si o comunitarismo é um direito passível de ser reclamado (quer na filosofia liberal quer para todos os democratas que se ajoelham no altar do princípio maioritário), este, conjugado com os chamado direito de livre circulação (conceptualmente errado porque apenas circulamos na propriedade de terceiros com o seu consentimento) levanta possibilidades extremas, sendo que nesta questão da regulamentação das vestimentas percebe-se que só existem direitos no sentido em que existe propriedade privada e que a coisa pública, directamente ou indirectamente, acaba por distorcer e até sonegar a noção do direito, fazendo aumentar a probabilidade de reivindicação de um comunitarismo extremo, principalmente num ambiente de efectiva livre imigração e convivência forçada de diferentes grupos nacionais-étnico-religiosos.
Sem comentários:
Enviar um comentário