sábado, 21 de janeiro de 2006

Apaziguamento?

Vasco Pulido Valente:

É curioso que, perante a ameaça nuclear do Irão, vários comentadores se tenham lembrado imediatamente da Alemanha nazi.

O mito do "apaziguamento" de Hitler, ou, no caso, a sua versão vulgar, continua vivo. Nos velhos, como José Cutileiro, e também nos novos, como João Pereira Coutinho, e mesmo, com muito mais perigo, em Jacques Chirac, para nosso mal, Presidente da França. Sucede que não há qualquer semelhança, nem sequer "paralelismo" (para usar uma palavra "moderna"), entre a situação da Europa em 1935-39 e a situação que hoje se vive no Médio Oriente. O plano de Rumsfeld para ocupar o Iraque, que se inspirava no modelo de 1945 para a Alemanha, já provou isso à saciedade. Mas parece que ninguém aprendeu e que o "apaziguamento" volta a servir de exemplo a quem pensa razoável (e possível) submeter o islão pela força.
O "apaziguamento" tinha uma lógica, que o fracasso fez esquecer.

O tratado de Versailles impusera à Alemanha uma paz cartaginesa, universalmente condenada e que a própria Inglaterra estava disposta a corrigir. Até certo ponto (difícil de estabelecer), não era extravagante pensar que a reafirmação nacional da Alemanha a pudesse trazer a posições mais moderadas. Se agora sabemos que Hitler queria a guerra desde o princípio, os contemporâneos não sabiam. Ainda por cima, e tirando a aberração (que se esperava efémera) do nazismo, não custava imaginar um entendimento durável com a Alemanha educada e cristã, parte da história comum do Ocidente.

Em 2005, o problema com o Irão, como em geral com o mundo muçulmano, não é um problema de "apaziguamento", é um problema de estratégia militar e política. Claro que a classe média do Ocidente não aprovará nada que perturbe o seu repouso e prazer e que a "Europa", a bem do Estado providência, acabou por ficar impotente e desarmada. E claro que a fraqueza interna de Bush (que a Al-Qaeda já tenta explorar) e a relativa paralisia de Israel complicam as coisas. Só que muito para lá disso existem duas questões de essência. Primeira questão: como intervir? Com um ataque aéreo provavelmente ineficaz? Com armas nucleares, como insinuou Chirac? Com uma invasão em forma sem um objectivo plausível e finito? Segunda questão, e não menos decisiva: quem vai substituir Ahmadinejad e afins do Irão à Síria? Sem uma resposta clara e positiva a estas perguntas é inútil esperar seja o que for das democracias do Ocidente.

Não porque elas desejem "apaziguar" o radicalismo islâmico, mas porque não se querem meter num beco sem saída, como o Iraque. Pior do que o Iraque.

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