Os princípios de não ingerência e neutralidade existem para acomodar a existência pacífica entre vários Estados (ou minimizar a probabilidade de conflitos), e para delimitar os conflitos que surjam internamente ou entre diferentes Estados (a palavra “Estado” aqui não é um pormenor, mais do que as nações ou as comunidades, são os “Estados” que lutam pela sua sobrevivência do seu aparato sobre outro “Estado”, fazendo tudo para envolver toda a população nessa sua luta pela sua própria sobrevivência).
Todos os Estados e regimes (incluindo os que consideramos piores) têm algum grau de acomodação por parte das populações, a quem cabe a responsabilidade de proceder a mudanças. Veja-se como o regime soviético caiu sem que tenham existido purgas e perseguições vingativas. Em qualquer outro regime não democrático assim sucede e sucedia. Pensemos nas monarquias de outrora, pelo facto de a não serem democracias universais, quer isso dizer que não existia identificação, legitimidade no poder instituído e assim percepcionado pela população?
Não existem princípios absolutos nas relações com os Estados e ainda menos entre Estados. O Estado em si é a maior fonte de ingerência e de legitimidade duvidosa. Mas partimos do princípio que é a quem ele se submete, que deve, em primeira análise, recair o ónus de tolerar ou mudar o que quer que assim entenda.
Nas tensões e guerras entre Estados, que surgem pela história fora, podemos observar que se
1) debate um qualquer “status quo” estabelecido algures sobre uma particular fronteira, zona de influência, etc.
2) tensões internas, porque uma parte da população (grupo homogéneo) não se identifica com o Estado
3) uma parte da população deseja mudar o regime
3) o nascimento de Estados, que é sempre um acto de força, quer interno quer externo (Israel por exemplo), principalmente quando se estabelece no meio de população não homogénea, onde parte dela (um grupo étnico, religioso, etc.) não se identifica e não lhe confere legitimidade
A não ingerência e a neutralidade é uma regra de prudência que reconhece que (lista não exaustiva):
- Escolher uma parte com absoluta razão é difícil (na Primeira Guerra Mundial, por exemplo)
- Que mesmo em guerras justas de terceiros, envolver meios militares e financeiros numa qualquer causa, em si, põe em perigo a sobrevivência e a posição estratégica da “sua” população
- Que a função puramente defensiva é consensual entre a população, mas a decisão de intervir nos problemas de terceiros raramente o é, causando divisões internas e ferindo a estabilidade interna
Quanto às questões específicas colocadas:
1) Sim, em última análise, devemos ser neutros em relação ao conflito. A minha crítica é muito feita do ponto de vista americano, nomeadamente dos seus conservatives e libertarians americanos (e no seu ethos de excepcionalidade em que a sua Nação se fundou) pela “republic not na empire”, mas também por acreditar na validade geral da não ingerência em regimes terceiros e no pessimismo quanto às “unintended consequences” no intervencionismo social em geral. A outra parte da crítica deve-se à constatação objectiva de que as guerras que não são feitas em legítima defesa, abrem precedente muito perigosos. E ainda outra deve-se à consciência que estamos perante um ideologia essencialmente de esquerda e até jacobina e napoleónica (a exportação de valores na ponta da baioneta) a reivindicar-se como de conservadora (claro que uma parte da esquerda, mais anti-americana por princípio não o reconhece só porque é americana, outra, mais moderna, abraça o princípio do intervencionismo como um corolário da sua própria crença na mudança social).
Todos os sinais estão presentes. Fala-se na democracia como um fim último a ser conseguido não só cá mas lá e em todo o universo (não importam as subtilezas de como as ordens sociais têm de evoluir de forma endógena e natural – é a revolução já e agora) – recomenda-se até que todos os Estados democráticos financiem todas as oposições em todas Nações – um bom princípio para a revolução (e conflito) permanente. É um optimismo ideológico delirante, ingénuo e perigoso, como o foi a intervenção de Woodrow Wilson na Grande Guerra com a bandeira da “guerra para acabar com todas as guerras”, para fazer o “mundo mais seguro para a democracia” (em primeiro lugar, era coisa que não estava de todo em causa sequer – mas sabemos que era anti-monárquico e em especial não percebia, como bom americano, o Império Austro-Húngaro, o que deu jeito à França e aliados), para assegurar os direitos a autonomia dos povos (esquecendo-se da sua própria guerra “civil” que esmagou o direito de secessão dos Estados do Sul)
2) Quanto à questão de uma parte da população que reivindica os serviços de um Estado terceiro para conseguir o seu objectivo político interno. Esta hipótese parece-me de tal forma subversiva e com tais consequências em termos de destabilização que a aceitação da tal provocaria um estado de Guerra permanente. Todos os Estados passariam ainda mais a combater aquilo que percepcionam como perigo interno com muito mais violência que actualmente e a probabilidade de existirem conflitos, sanções económicas mutuas, e mesmo guerras, aumentariam exponencialmente.
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