segunda-feira, 29 de março de 2004

Liberalismo e Democracia

1. O optimismo democrático

"Não vejo em que é que a democracia seja incompatível com a "propriedade e o contrato". Pelo contrário, não conheço melhor forma de salvaguardar a integridade da propriedade e o respeito dos contratos do que a democracia e o consequente respeito pela lei. " Diz Gabriel.

Mas então como é que é possível pagar mais de 50% de impostos sem que qualquer contrato de prestação de serviços seja celebrado. Como é que temos de nos submeter e submergir a um monopólio de inflação legislativa, à oferta de serviços públicos universais que não funcionam (incluindo a de segurança e justiça), à imposição de direitos positivos a serem satisfeitos contra os meus direitos negativos,

Por outro lado, as monarquias absolutas do médio oriente, são "business oriented", desenvolvidas, os impostos são baixos, e cerca de metade da população é imigrante - isso parece ser um sinal evidente de respeito por uma boa parte de direitos individuais, não?

A questão é que os benefícios da democracia ou os defeitos da não democracia, têm de ser pesados com as alternativas (que podem não ser animadoras em muitos casos) possíveis.

2. A revolução

Qualquer entidade que queira fomentar a democracia num qualquer ponto do mundo pode fazê-lo a suas expensas. Não estou a ver que tenha de financiar as revoluções ou mudanças que cabem a terceiros pôr em prática, correr o risco, financiar, etc.

Não cabe aos Estados (nem cabe no Direito Internacional) fomentar mudanças sociais em países terceiros. A ingerência externa é em muito incompatível com relações de Estado pacíficas. Isso parece-me claro.

Também não acho que me cabe a mim (para além de poder comentar, apoiar ou criticar) actuar sobre o que Pinochet teve ou não de fazer para evitar males maiores (no seu julgamento). E certamente não me cabe a mim, ou a alguém com recursos financeiros de terceiros (impostos) ir "libertar" nações que funcionam bem e cuja responsabilidade última de manter ou mudar depende das próprias populações. E mesmo (para não dizer, especialmente) quando funcionam mal, a revolução (pacífica ou violenta) é para ser de iniciativa dos próprios.

3. A macro-democracia

E se este é "o" sistema, porque não ter uma "democracia europeia" e depois "mundial"? Será que Portugal vai ser mais "livre" se integrarmos uma democracia mundial de "um homem um voto" planetário? Não me parece que individualmente isso me torne mais "livre", e acho que a resposta nem merece desenvolvimento.

4. A mini-democracia

Em que situação a democracia é mesmo legitima? Um grupo de amigos vai ao cinema e decidem votar pelo filme a que vão. A decisão não é consensual mas todos aceitam apriori o resultado da votação, sabendo que no extremo até podem simplesmente recusar-se acompanhar o resto do grupo.

Daí até aceitar a legitimidade de uma votação maioritária que decreta coisas sobre os meus direitos de propriedade e livre contrato vai um grande passo.

Estamos no domínio do ausente mas sempre evocado "contrato social", uma relação contratual "mítica" com a qual temos de viver, mas que cabe aos liberais minimizar a todo o custo, porque ser liberal é acreditar na propriedade privada e no livre contrato.

5. O paradoxo liberal: quanto mais “liberal” menor é a necessidade de democracia

Quanto mais uma comunidade ou nação respeitar o princípio da propriedade privada e livre contrato menor é a necessidade da democracia.

Vejam assim: quanto mais numa determinada comunidade toda a propriedade for privada e os contratos livre entre as partes, menor é (ou no extremo até ausente) a necessidade de existirem decisões democráticas porque…não existe nada para ser decidido “politicamente” e qualquer grupo que se arrogue de impor decisões a uma minoria tem de enfrentar os tribunais como criminosos.

Neste estado de coisas, as decisões comunitárias aproximam-se cada vez mais de relações de propriedade, como em associações, empresas, clubes, condomínios. Aí sim , existe espaço pra decisões colectivas, mas estas estão hiper-reguladas para não sairem do âmbito restrito da posse da propriedade em questão (accionistas e a sua empresa, ou quotas imobiliárias e as partes comuns do condomínio, etc).

6. E o caminho liberal

...é a privatização de cada vez mais recursos públicos, a descentralização da posse e administração daqueles que permanecem públicos, e menos intromissão no domíno contratual (incluindo o que advém da decisões maioritárias).

7. E a democracia tem de reconhecer o direito de secessão

Apesar do que tem sido o esforço das elites políticas pela crescente integração política, a verdade é que o custo de independência é cada vez menor por um lado, e por outro, a "democracia" não tem meios racionais para recusar que uma comunidade queira formar o seu próprio espaço democrático para por exemplo, mudar o sistema fiscal e melhorar a protecção da propriedade (ou antes, reduzir os ataques da inflação legislativa a esta).

Embora nenhum país se atreva a instituir mecanismos constitucionais de separação política, eles vão ter que aparecer mais tarde ou mais cedo. A verdade é que parecem achar que 51% possa decidir a integração política. Portanto o mesmo tem de funcionar em sentido inverso (não o recomendo, eu diria uns bons 66% deviam ser necessários).

Talvez exista quem queira instituir localmente uma Monarquia (convidando antigos monarcas). Ou constituir uma Cidade Estado (porque não o Porto? Repelir o IRS e IRC e apenas ter um imposto sobre vendas e sobre o património para financiar o Município).

E com a diversidade e concorrência entre sistemas políticos, económicos e legais, temos sim maior liberdade individual e uma ordem social liberal.

8. Os direitos de propriedade e o comércio livre

As causas da pobreza estão relacionadas com a falta de direitos de propriedade, não com a falta de democracia. O contacto entre culturas diferentes sempre foi pacífico quando a tónica é mais no comércio do que no domínio (e essa foi a razão de ser e virtualidade do Império Britânico - não a "democracia" localizada numa pequena ilha - centro do Império).

Se queremos induzir mudanças em culturas estranhas à nossa o melhor que temos a fazer é deixarmos o comércio livre produzir os seus efeitos pondo as populações, consumidores, negociantes a contactarem por interesse próprio, o pior que podemos fazer é precisamente querer mudar aquilo que não nos diz respeito arrogando-nos de um princípio ideológico e de uma moral que tem de ser imposta.

9. Ser liberal e conservador

É reconhecer a complexidade das relações sociais e como estas necessitam de hierarquias naturais (não impostas mas digamos, "espontâneas"), podendo estas subsistir e conviver com o respeito pela propriedade e contrato. A propriedade é até um direito de exclusão e discriminação. Não fossem as imposições democráticas de igualdade à "força" e muitos dos actuais problemas sociais/morais como a droga, a prostituição, o aborto, seriam auto-regulados pela capacidade de discriminação (as empresas fariam testes de consumo de droga e recusariam - ou não! - pessoas com historial de consumo, as comunidades locais, tal como fazem já os condomínios privados, rejeitariam/expulsariam a prostituição dos seus bairros - uma das razões é porque fazem baixar o preço/valor da sua posse imobiliária, etc).

Na medida em que acreditamos na limitação do conhecimento (Hayek), em direitos naturais, no poder civilizacional (e até de pacíficação das relações humanas e entre culturas) dos direitos de propriedade e comércio livre, não é a democracia que deve ser a nossa obsessão (na medida em que é um meio a que se recorre), muito menos a sua imposição a terceiros.

Sem comentários:

Enviar um comentário